Nessa postagem e na próxima, dedico-me à responder a seguinte pergunta: por que milhões de pessoas, durante incontáveis gerações na China e atualmente em vários países no mundo contemporâneo, praticam os treinamentos taoistas? A primeira parte da resposta é: por sua comprovada eficácia no cultivo da vida e da saúde, bem como no desenvolvimento de certas habilidades.
Portanto, não se trata de uma questão de crença, mas sim de experiência acumulada, acessível a quem pratica com seriedade. Tampouco se trata apenas de comprovar por experiência própria. Os treinamentos se baseiam num conhecimento sofisticado do corpo, que tem como referência a teoria médica chinesa e a cosmologia taoista.
Dito de uma maneira mais genérica, os diversos treinamentos são maneiras tradicionais para cultivar um equilíbrio dinâmico, no próprio corpo, entre yin e yang que, unidos em harmonia, formam um Taiji ☯. Essa atividade de regulação é a própria ação do Tao, segundo o poema 77 do Daodejing (道德經):
O Caminho do Céu é como o retesar do arco
A parte superior abaixa, a parte inferior sobe
A parte que possui sobra é diminuída
A parte não suficiente é completada
E era nesse sentido que mestre Liu Pailin afirmava que ensinava os treinamentos do Taiji, não apenas do Taijiquan. Ohando para um panorama geral dos treinamentos de nossa linhagem, faço a seguinte lista de benefícios básicos, utilizando de forma livre o vocabulário tradicional chinês:
- Eliminar o qì turvo, causador de doenças, resultante da invasão de fatores patogênicos externos, mas também acumulado em função da alimentação, de tensões e de emoções excessivas e turbulentas.
- Captar o qì de fontes naturais (o sol, a lua, certas constelações, montanhas, cachoeiras, florestas, árvores ancestrais, rochedos, o mar) para suprir o qì do corpo
- Flexibilizar tendões e articulações.
- Remover os bloqueios que impedem a livre circulação de qì e sangue. E promover uma circulação abundante e suave.
- Equilibrar os cinco movimentos (五行):metal, água, madeira, fogo, terra.
- Tonificar a essência (精) e o qì(氣 ou 炁), regular o shén (神), o que proporciona ao mesmo tempo longevidade e serenidade.
- Despertar a espiritualidade latente do ser humano.
A alquimia interna taoista possui um aforismo que descreve de forma mais sofisticada e hermética todo o caminho da prática, que vai da condição pós-natal de uma pessoa comum à condição pré-natal de um ser completamente iluminado, como um imortal (仙) da mais alta categoria:
Treinar o jīng (精) para gerar qì (氣 ou 炁); treinar o qì para gerar shén (神); treinar o shén para entrar na vacuidade; treinar a vacuidade para unir-se ao Tao (道)
Essa descrição sintética e cifrada, no entanto, transcende a prática comum, para a saúde, e refere-se ao cultivo como caminho de vida, uma situação mais rara e que depende de algumas condições especiais: a obtenção de ensinamentos autênticos, a ajuda de um/a professor/a qualificadx, a dedicação cotidiana à prática.