Hoje inicio uma série de postagens, intitulada compreender o Tao. Além da óbvia distância cultural entre a tradição taoista e o horizonte cultural primário de praticantes não chineses e não chinesas, de nações ocidentais ou do hemisfério sul, como a nossa, existe um problema ainda mais básico. Em função de uma história de modernização e ocidentalização em escala mundial, o que não pode ser descrito pela linguagem de forma precisa nem compreendido por meio do intelecto tende a ser desconsiderado. E é justamente disso que trata o taoismo: o indizível que pode ser vivenciado. Transcrevo abaixo os dois primeiros versos do texto fundante da tradição taoista, o Daodejing (道德經), na tradução do mestre Liu Pai Lin e de Jerusha Chang:
“O Tao descrito como o Tao não é o verdadeiro Tao.
O inominável nenhum nome pode nomear” (Daodejing, poema 1).
(Acima: o sentido da estrutura do pictograma, segundo mestre Liu Pai Lin. Ilustração originalmente publicada em: Saúde Longevidade, caderno 1, São Paulo, Associação Tai Chi Pai Lin, 1994, p. 16).
O pictograma Dào (道) é normalmente traduzido como “caminho”. O sentido do termo já foi debatido à exaustão tanto por estudiosos e estudiosas, como por praticantes taoistas. De forma aproximativa, remete a uma ideia de ordem cósmica, formulada em termos de padrões cíclicos, ao estado natural, ao mistério da vida, etc. Mas, o paradoxo é que Laozi afirma explicitamente que não é possível descrevê-lo. Ou seja, as palavras e o intelecto não são suficientes para realmente compreendê-lo. Pode ser reconhecido por meio da experiência meditativa e da contemplação dos fenômenos da natureza. Aqui, como em outras tradições contemplativas, os conceitos, as palavras, são meramente indicadores da direção a seguir.