Nesta nova postagem da série medicina tradicional chinesa, começaremos a falar de seus métodos. O primeiro deles, talvez o mais característico dessa tradição médica é uso de agulhas especiais para tratar e prevenir doenças. Voltando ao Clássico Interno do Imperador Amarelo, o capítulo 1 do Lingshu (靈樞) descreve os dois princípios básicos do uso das agulhas: tonificar e dispersar. Isso corresponde à atividade natural do Tao, que tende ao equilíbrio: suprir o que está em deficiência; remover o qì patogênico que invadiu o corpo do exterior, ou o qì de um dos cinco movimentos que está em excesso, por motivos constitucionais, alimentares, emocionais, etc. E ensina como manipular os nove tipos de agulhas (existentes na época) e estimular os pontos de acupuntura, dependendo do propósito. Em particular, ao fazê-lo, a obtenção da sensação de acupuntura, déqì (得氣) é considerada fundamental para o efeito curativo da acupuntura. Esse fato, que a chegada ou obtenção do qì é crucial, mostra que, do ponto de vista tradicional, a acupuntura não é apenas manipulação mecânica das agulhas. Sua prática possui uma dimensão de qìgōng, dependente da intenção e do qì dx acupunturista.
Medicina Tradicional Chinesa: 2. o estudo dos clássicos
Na postagem de hoje, damos seguimento ao tema da medicina chinesa. O Huangdineijing (黃帝內經), Clássico Interno do Imperador Amarelo, é certamente o mais fundamental dos textos antigos de medicina chinesa. E apesar da utilidade dos inúmeros manuais modernos, mais fáceis de ler, e das pesquisas experimentais recentes, que testemunham o desenvolvimento continuado desses conhecimentos, o clássico não se tornou obsoleto. Continua a ser uma referência para reflexão sobre os princípios profundos dessa tradição médica até os dias de hoje. No primeiro capítulo do Suwen (素問), o Imperador Amarelo, uma dos imperadores míticos fundadores da civilização chinesa, que teria iniciado seu reinado no ano 2697 A.C., pergunta ao médico taoista Qibo porque os seres humanos do passado eram capazes de viver mais de cem anos em boas condições de saúde, enquanto os de sua época estavam decrépitos aos cinquenta. Obviamente, estamos diante da referência a uma época mítica quando se vivia em consonância com o Tao. E contrasta com a situação histórica na época em que o texto é escrito, na qual o desconhecimento do Tao levava a vidas curtas e adoecimento. Embora o texto seja antigo, a lição contida na resposta de Qibo é simples e continua atual: conhecendo e cultivando a harmonia de Yīn e Yáng, é possível ter uma vida longa e saudável. Logo, a saúde começa com os hábitos. Um estilo de vida simples e sem excessos, nem de trabalho, nem nos prazeres. Atento aos ritmos do dia e das estações, para regular as atividades em harmonia com as condições naturais e protegendo-se de fatores climáticos prejudiciais. O cultivo do coração tranquilo diante dos acontecimentos da vida, sem euforia diante dos objetivos atingidos e desejos realizados, nem desespero diante das tragédias e frustrações. Portanto, a saúde resultaria de um saber viver combinado à constituição da pessoa. Os tratamentos se tornariam necessários quando saímos do equilíbrio e perdemos a capacidade de fluir com a vida, seja em função de nossos hábitos, sejam em função de acontecimentos que abalam o cotidiano.
Medicina Tradicional Chinesa: 1. A busca do Equilíbrio
Modo de vida taoista: 10. A capacidade de “escutar”
Nessa nova postagem da série modo de vida taoista, o tema é o desenvolvimento da sensibilidade à situação presente e às condições do ambiente circundante. Embora seja uma tradição contemplativa, a prática taoista não deveria nos deixar mais ensimesmadxs. Ao invés disso, se desenvolvemos suavidade e fluidez, semelhantes à da água, tornamo-nos cada vez mais sensíveis e adaptáveis. Os ritmos e fluxos do qì da natureza ficam evidentes e ressoam no corpo. As situações da vida são respondidas de forma gradualmente menos premeditada. Sendo capazes de uma apreensão intuitiva do momento presente, é possível agir em conformidade com o que a situação pede. E isso gera menos desgaste e demanda menos esforço.
Modo de vida taoista: 9. Não desejar ser o primeiro
Nesta nova postagem sobre modo de vida taoista, o assunto é a terceira virtude descrita por Laozi. Normalmente traduzida como modestia ou humildade, uma tradução mais literal seria não querer ser o primeiro. O ponto central é não nutrir rivalidade, nem competir com outras pessoas. A ideia de concorrência, de vitória, o desejo de superar rivais são alheios ao Caminho. Por isso, muitos sábios taoistas famosos recusaram honrarias, títulos e cargos na administração imperial em sua época. O verdadeiro respeito e a apreciação genuína se comunicam por gestos, de coração a coração. Dispensam excessos de protocolo e polidez artificial, e não estimulam a vaidade.
Modo de Vida Taoista: 8. Amorosidade/compaixão
Outro aspecto do modo de vida taoista tem sido traduzido nas línguas ocidentais como compaixão ou amorosidade. O sentido do termo precisa ser contemplado com cuidado. Não se trata uma identidade pessoal bondosa, que ama ou sente compaixão, que deseja ser uma boa pessoa. Mas sim de uma disposição amorosa mais impessoal e abrangente, que respeita as outras vidas e atenta para o máximo benefício coletivo. Por isso se diz:
O Grande Tao não tem sentimentos, ama todos os seres.
O Grande Tao não tem coração, seu coração é vasto como o mundo.
Modo de Vida Taoista: 7. Simplificando a vida
Um aspecto fundamental do modo de vida taoista é a simplicidade. Esse termo pode ser entendido de várias maneiras. Em primeiro lugar, simplicidade no estilo de vida, sem desperdiçar os recursos disponíveis, nem extravagâncias, sem gastos desnecessários. Desfrutar os prazeres da vida com simplicidade é saborear as alegrias que a vida oferece, gratuitamente, com contentamento e gratidão pelas boas condições e situações agradáveis, mas sem ambicionar luxos e confortos excessivos, especialmente se já temos mais que o necessário. Outro aspecto é que ao cultivar a serenidade, abandonamos complicações emocionais, decorrentes de expectativas e da falta de aceitação das mudanças inevitáveis que caracterizam o fluxo da vida.
Modo de vida taoista: 6. Lidando com pessoas e situações
Neste sexto post da série modo de vida taoista, o tema são os desafios do cotidiano. A medida do sucesso na prática é o saber viver, aqui definido como uma justa combinação de fluidez e sensibilidade. De nada adianta a prática formal de meditação sentada, qìgōng ou tàijíquán, se, fora da situação de treinamento somos incapazes de expressar as qualidades que vivenciamos nos treinos. Aprender a mover o corpo de forma suave e circular, ou manter o corpo imóvel e estável por um longo período, ou ainda a relaxar e manter o coração sereno, são capacidades que é aconselhável transpor também para as situações diárias, principalmente as de conflito ou dificuldade. Por isso se diz:
O verdadeiro Tao requer de nós que lidemos com o mundo real, mas ao fazê-lo, o coração não se agita.
Metaforicamente, é preciso desenvolver nas relações uma habilidade de escuta, recepção e direcionamento da intenção das outras pessoas, como um tuīshǒu, o treinamento de empurrar as mãos do tàijíquán. Sem entrar em confronto direto, sem impor-se pela força, delicadamente redirecionando e dissolvendo as tensões. É preciso adaptabilidade e escuta nas situações comuns: imprevistos, mal-entendidos, tarefas, mesmo tragédias. De fato, as situações desafiantes ficam mais fáceis de lidar, se tratadas com leveza e tranquilidade, pois uma parte significativa das dificuldades vem de nossa própria confusão e tensão desnecessária. Isso não significa nem indiferença, nem negligência diante da ação necessária, mas em vez disso, uma prontidão serena que permite acolher a situação como é, agir de forma eficaz diante dela.
Modo de vida taoista: 5. Meditação
Nesse post sobre modo de vida taoista, o assunto é meditação. Embora haja diversas maneiras de praticar o Tao, em conformidade com as características de cada praticante, várias linhagens oferecem métodos contemplativos. A meditação é uma maneira de atualizar em nós os princípios taoistas, como harmonia de yīn e yáng, e a não-ação (wúwéi 無為), entre outros. O corpo humano, como pequeno universo, ressoa com a natureza. A meditação é ao mesmo tempo uma prática de cultivo da vida e de cultivo do espírito. Sentando em silêncio regularmente, treinamos a serenidade e equilibramos nosso qì. É dito que todas as doenças começam no coração. E a meditação é o principal método para cultivar um coração límpido, tranquilo e amoroso. Assim, a meditação é uma prática de prevenção e promoção de saúde, pois mantém a união de yīn e yáng no ser humano, reduz as tensões e desequilíbrios, remove os bloqueios, antes que se manifestem como doenças. E ao mesmo tempo é uma prática de serenidade. A manifestação do sucesso na prática é a capacidade manter-nos assim também nas situações cotidianas, inclusive, em circunstâncias desfavoráveis, fazendo o que é necessário, mas sem se agitar.
Mestre Liu Pailin recomendava a prática diária da meditação Sentar na Calma, ressaltando seus benefícios para a saúde e a promoção da longevidade, assim como sua importância para o cultivo do Tao. Como detentor da transmissão de várias linhagens taoistas, nas décadas em que residiu no Brasil, entre o final dos anos 70 até o ano 2000, ensinou vários métodos, como a circulação dos Seis Centros, dos Oito Vasos Maravilhosos, da Via Láctea, entre outros, mas sempre enfatizou o poder e os benefícios do método mais básico e fácil de meditação taoista: o Abraço do Taiji, cultivar a união de Céu e Terra, Fogo e Água, na região do umbigo. Praticando a mais completa serenidade nesse abraço, até esquecer-se de si mesmo.
Modo de vida taoista: 4. Medicina tradicional chinesa
Outro aspecto integrante do modo de vida taoista é a medicina tradicional chinesa. Ao longo da história do taoismo, o estudo e a prática da MTC foram importantes aspectos dessa tradição, como forma de praticar uma atividade compassiva e como parte do cultivo da vida. O estudo da massagem, acupuntura, moxabustão, ventosaterapia, fitoterapia, dietoterapia e outros saberes da medicina tradicional faz parte do currículo de muitas linhagens taoistas. Mesmo para quem não deseja exercer a MTC, seus conhecimentos se integram à vida cotidiana, em primeiro lugar como medicina preventiva, que visa manter o equilíbrio entre os cinco movimentos (metal 金, água 水, madeira 木, fogo 火 e terra 地), preservando a saúde integral e proporcionando vida longa com qualidade. Há recomendações sobre estilo de vida, de modo a desfrutar da alegria de viver ao mesmo tempo em que nos mantemos saudáveis. Um exemplo é a aplicação do conhecimento da grande circulação dos 12 ramos terrestres (地支), que rege os 12 meridianos ordinários do corpo humano para selecionar os horários das atividades do dia, mas também ao longo das estações do ano e fases da lua: treinamentos, refeições, trabalho, descanso, tratamentos, etc. Cada período de duas horas do dia é regido por um dos ramos terrestres, que correspondem a um dos zangfu e seu meridiano correspondente. A cada um dos doze horários de duas horas de duração, a circulação de qì estará no seu apogeu no canal correspondente. Assim por exemplo, no horário da madeira (23:00-3:00) o ideal é dormir para recuperar o qì da Vesícula e do Fígado. No horário mais quente do dia (11:00-13:00), pertencente ao coração, o ideal é treinar a serenidade, alimentar-se ou repousar. Aliás, o modo de vida como um aspecto da saúde está em consonância com o conhecimento médico moderno: muitas doenças crônicas resultam de hábitos e condições cotidianas e não apenas de propensões hereditárias.
Além disso, para o pensamento clássico chinês, o corpo e a natureza não estão separados: possuem uma relação de correspondência. Por outro lado, há uma relação de determinação recíproca entre o qì dos órgãos e vísceras e as emoções. Ou seja, o equilíbrio emocional é ao mesmo tempo um fator de promoção de saúde e um indicador de uma condição saudável. Quando entramos em desequilíbrio diante de situações de vida, o repertório da MTC está disponível para restaurar o equilíbrio temporariamente rompido.