Como o cultivo do Tao pode ajudar na superação de traumas físicos e emocionais?

Na postagem de hoje, gostaria de relacionar a prática do Tao ao seu potencial para recuperação da saúde e da sanidade, particularmente na superação de situações traumáticas. Como bem sabe quem se dedica à prática de qigong, taiji e medicina chinesa, ou ao estudo da filosofia que fundamenta essas práticas, vida é fluxo. As capacidades de movimento, de transformação e de adaptar-se às circunstâncias do presente, são as características dos processos naturais de manutenção da vida em um organismo sadio, mas também de uma subjetividade sã. Portanto, a fluidez é uma das características do Tao, 0 Caminho Natural. No nível do organismo, o livre fluxo de e sangue, combinado ao equilíbrio qualitativo e quantitativo entre as diferentes substâncias vitais é a base da saúde. No nível da consciência, a serenidade, o coração tranquilo, sensível e empático, mas livre de emoções excessivamente intensas e duradouras, é a base da sanidade. Conforme o pensamento chinês, não se trata de duas coisas separadas, mas de aspectos interdependentes de uma mesma totalidade, que se influenciam mutuamente.

Mas há momentos em que eventos abruptos da vida abalam nossas frágeis ilhas de sanidade: situações de dor intensa ou de adoecimento grave; ameaças à nossa vida e integridade; conflitos sérios em relacionamentos significativos; adversidades que abalam as fundações de qualquer senso de segurança. Em momentos assim, perdemos a capacidade de fluir e agir espontaneamente, seja por nos agarrarmos à nossa dor, seja por repetirmos, fora de contexto e de proporção, atitudes que já foram momentaneamente uma tentativa válida de nos proteger e sobreviver a uma tragédia. Perdemos contato com os processos dinâmicos da vida, nossa sensibilidade ao presente e aos outros seres fica comprometida. Um corpo enrijecido por uma lesão ou sua memória dolorosa, um coração fechado. E mais dor e confusão, por repetição de padrões disfuncionais. E por isso nos distanciamos do fluxo espontâneo da vida.

detalhe de pintura da exposição temporária sobre os imortais. Acervo do National Palace Museum, foto do autor em setembro de 2018.

E como o cultivo do Tao pode nos ajudar a recuperar a fluidez, a capacidade natural de movimento e transformação? A primeira chave é a capacidade de relaxar. No estado de relaxamento, a capacidade de autorregulação do corpo é potencializada. As feridas cicatrizam mais rápido, o coração reaprende a ser leve. Como vimos em postagens anteriores, o relaxamento é um benefício tanto dos exercícios suaves do qigong, do taijiquan e práticas afins, quanto da meditação sentada, desde que praticados com constância e com orientação adequada. A segunda chave é o movimento harmônico – no sentido de rítmico, contínuo e fluido – que promove o alinhamento e o alongamento do corpo, ao mesmo tempo que incrementa a circulação de e sangue, restaurando seu fluxo correto. Para a mtc, um traumatismo físico, por exemplo, resultante de uma queda ou pancada, pode resultar em uma “síndrome de obstrução dolorosa”, um bloqueio que causa dor e limitação de movimento. Os exercícios previnem e tratam esses bloqueios, mas em casos mais graves, podemos usar todo o repertório da medicina chinesa – acupuntura, moxa, ventosas, ervas – para potencializar a recuperação. A terceira chave é habituar-se, por meio da meditação, a um estado mental ao mesmo tempo alerta e descontraído. É nesse estado que aprendemos a soltar a dor, a mágoa e as memórias de eventos perturbadores, reconectando-nos com a vivacidade do presente, pleno de novas possibilidades.

Essa explicação só aponta a direção, mas não substitui a prática com um/a professor/a qualificado/a. Somente com a experiência é possível saborear os benefícios maravilhosos.

Benefícios do Taichi e da medicina chinesa: uma explicação para o público em geral

Na postagem de hoje, o objetivo é tornar acessível ao público leigo o valor de dois conhecimentos tradicionais chineses: o Taichi e a acupuntura. A tarefa exige um caminho antropológico: um tentativa de tradução cultural. E a pergunta que pretendo responder é a seguinte: como explicar o sentido e a finalidade dessas duas práticas para um público formado numa visão biomédica de saúde e numa visão “fitness” de exercício? A resposta se destina a esse público, ou a praticantes e especialistas das práticas chinesas que estão em busca de formas simples de tornar a sua atividade compreensível para essas pessoas.

mestre Liu Pailin (1907-2000), pioneiro da divulgação do Taichi e da medicina chinesa no Brasil

O benefícios do Taichi e da medicina tradicional chinesa são mundialmente conhecidos e inclusive comprovados por pesquisas na área de saúde, como pode ser constatado consultando as plataformas de artigos científicos e também alguns livros destinados a um público mais amplo. Ao longo de várias postagens anteriores, tentei tornar essas informações acessíveis, como nas séries Medicina Tradicional Chinesa e Benefícios da Prática em Detalhes. No entanto, os conhecimentos tradicionais chineses se baseiam em princípios muito diferentes daqueles que fundamentam tanto a medicina convencional ocidental quanto as formas mais comuns de atividade física ocidental, ambas baseadas na mesma concepção (cartesiana) de corpo, entendido como “máquina maravilhosa”.

Em primeiro lugar, a medicina tradicional e os exercícios chineses para saúde e longa vida não se baseiam em uma separação entre corpo e mente: o aspecto material e “energético” de nosso corpo e a nossa consciência formam uma unidade dinâmica e complexa. Muito antes da ciência ocidental ter desenvolvido uma medicina psicossomática, os antigos chineses já haviam correlacionado os processos emocionais e o equilíbrio fisiológico, tanto em suas concepções de saúde, quanto de doença. Assim, tanto um desequilíbrio funcional pode implicar desequilíbrio emocional, quanto emoções excessivamente intensas e prolongadas podem ocasionar disfunções no nível fisiológico. Além disso, além dos componentes materiais do corpo, estruturas anatômicas, tecidos, órgãos e vísceras, os antigos chineses entenderam que o corpo é também composto por aspectos mais sutis, não perceptíveis diretamente, mas identificáveis qualitativamente, pelas condições de um determinado corpo.

Dentre estes aspectos sutis, talvez o conceito mais central seja o de (氣 ou 炁), normalmente traduzido como “energia”, “força vital” ou “vitalidade”. A discussão entre especialistas em filosofia chinesa e medicina tradicional tem questionado essas traduções, por sua imprecisão, ou melhor, porque as três noções mencionadas acima são alheias ao pensamento chinês e derivam respectivamente da física newtoniana e da filosofia vitalista, ambas de origem europeia.

Uma maneira relativamente simples de explicar a noção de é relacioná-la à capacidade de movimento e transformação, no corpo humano e na natureza em geral. Assim, todos os processos da vida, humana, animal e vegetal, animada e inanimada, podem ser descritos em termos de qualidades e quantidades distintas de qì.

Voltando ao nosso tema, toda a medicina chinesa, mas também o taichi, podem ser descritos como uma ciência tradicional do , ou se preferirem, um “trabalho sobre o ” (qìgōng 氣功 ou 炁功).

Mais precisamente, o que faz a acupuntura ao tratar uma doença é primeiro entender a natureza de uma doença específica como um tipo processual de desequilíbrio do , seja pela invasão do corpo por um fator patogênico externo (calor, frio, umidade, secura), seja por um desequilíbrio dos tipos de associados aos órgãos e vísceras (segundo a teoria dos cinco movimentos, metal, água, madeira, fogo e terra), seja por fatores alimentares, de estilo de vida ou emocionais. E, em seguida, utilizar as agulhas ou outros métodos) para regular o , removendo excessos, bloqueios que prejudicam seu livre fluxo, e/ou suplementando deficiências. Portanto, o objetivo da medicina chinesa é apoiar os processos de autorregulação presentes no próprio organismo.

Já o Taichi, e outros exercícios tradicionais chineses, podem ser pensados como qìgōng (氣功), formas cultivar o qì: circular, equilibrar, captar, acumular, etc. A lógica não é a do esforço, performance e exercício estenuante, ao contrário dos exercícios físicos convencionais. Ao contrário, são práticas lentas e suaves que promovem o desenvolvimento gradual e a preservação das capacidades corporais, trabalhando de forma suave e inteligente a força, a flexibilidade, o equilíbrio, a respiração natural e sobretudo a consciência corporal e a serenidade.

Clássicos: 7. a atualidade dos clássicos

Nessa nova postagem da série, um tema mais amplo. Em que se baseia o valor dos textos clássicos, e especificamente, dos clássicos chineses, no mundo contemporâneo? Começo a resposta com uma reflexão mais geral: um clássico, no sentido mais estrito do termo, é um texto que sobreviveu até nossos dias porque atravessou gerações e sobreviveu a várias transformações históricas. Isso se deve ao fato que, ao longo de tanto tempo, continuou a nos inspirar com ideias e conhecimentos relevantes. Pensadores como Hans Gadamer e Mikhail Bakhtin destacaram que o valor de um clássico está, justamente, em sua riqueza de significados, em sua abertura quase infinita para novas leituras, o que permite sua atualização. Em ambos, a leitura demanda uma atitude dialógica, de escuta do que o texto tem a nos dizer.

Paisagem com caligrafia, acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor em setembro de 2018.

No caso chinês, há uma especificidade interessante: nem todo texto antigo tem o mesmo status de clássico. Para um determinado escrito ter em seu título o termo “clássico” (經), significa que conquistou um apreço especial. Normalmente os livros que possuem esse termo no seu título, são obras fundamentais de um determinado campo. Como exemplo, recordo aqui alguns textos já citados aqui, como o Daodejing (道德經), o Huangdineijing (黃帝內經) ou o próprio Yijing (易經). Esse último, o “Clássico das Mutações”, tem sido objeto de um curso de introdução desde o ano passado, que deve ocorrer em Brasília em meados de maio.

No que diz respeito aos textos clássicos chineses, mais especificamente os clássicos taoistas, ou ao menos aquelas obras dotadas de interesse para a compreensão da tradição taoista, ressalto que estes textos não são apenas um tesouro da civilização chinesa, mas, além disso, são parte do patrimônio cultural da humanidade. A chamada filosofia yin-yang, condensa em poucas representações simbólicas – como por exemplo o símbolo do Taiji ou as linhas, trigramas e hexagramas do Yijing – toda uma percepção do mundo natural, do lugar do ser humano nele e uma apreensão quase instantânea do caráter dinâmico de fenômenos de toda ordem. Tudo pode ser apreendido intuitivamente como uma combinação temporária de proporções variáveis e de aspectos yin e yang, formando um complexo jogo de forças complementares . E é esse pensamento que está na base de várias artes e ciências tradicionais chinesas.

Voltando à pergunta inicial que motivou essa postagem, o valor destes textos clássicos no momento atual está justamente na possibilidade de nos oferecer outras possibilidades de acesso à complexidade do mundo contemporâneo. E justamente por ser uma compreensão de mundo de caráter não essencialista, que em vez de fixar as coisas em essências metafísicas, permite-nos percebê-las em suas fluidez característica. Manifestando-se no tempo e no espaço, tudo que sobe, desce. Tudo que nasce, morre. Tudo que expande, contrai. O que estava em repouso, move, e o que move, retorna a quietude. Isso tudo ocorre simultânea e incessantemente. Os clássicos taoistas nos ensinam a mover e perceber a vida como movimento. E, em momentos de crise e turbulência no mundo humano, quem sabe possam nos oferecer alguma sabedoria que nos permita gerar alternativas benéficas ao caos atual.

Clássicos: 6. ainda sobre o I Ching como oráculo

A postagem de hoje dá seguimento ao tema do uso oracular do Clássico das Mutações (易經), discutido previamente. O recurso à divinação é muito comum em sociedades tradicionais de todas partes do mundo, mas tal prática também é popular nos ambientes urbanos das sociedades globalizadas contemporâneas.

Pintura da exposição temporária sobre os imortais, acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor em setembro de 2018.

Dessa vez, convido a uma reflexão sobre o uso correto do oráculo. No contexto desse blog, a expressão “uso correto” equivale a “em consonância com o Tao”. Com isso, quero dizer que, idealmente, a relação que estabelecemos com o Clássico das Mutações deveria apoiar o cultivo de um modo de vida em sintonia com os ritmos de yin e yang na natureza, com uma combinação equilibrada de movimento e quietude na vida diária, e com uma atitude existencial pautada na amorosidade, na simplicidade e na ausência do “desejo de ser o primeiro”. (Essas são as três virtudes taoistas descritas por Laozi no Daodejing – 道德經).

Sugiro então alguns critérios para o uso oracular do Clássico. Em primeiro lugar, temos o critério das circunstâncias para uma consulta. Afinal, quando faz sentido consultar um oráculo? A resposta é simples: apenas quando se trata de uma questão crucial, uma decisão a tomar que implica sérias consequências e que é suficientemente complexa para gerar dúvidas sobre como prosseguir. Portanto, uma primeira advertência no uso salutar do oráculo é não fazer perguntas desnecessárias, quer dizer, relativas a assuntos banais ou situações nas quais já sabemos o que fazer.

Na melhor das hipóteses, um oráculo – ou qualquer outra forma de aconselhamento – deveria ser uma ferramenta auxiliar para o desenvolvimento da nossa própria sabedoria. Utilizo aqui o termo sabedoria como um saber viver, não como sinônimo de intelecto nem de astúcia. Saber viver no sentido de sensibilidade às qualidades das situações vividas. Sabedoria é uma forma de apreciação intuitiva dos processos da vida e suas nuances. O Clássico das Mutações pode ser uma ferramenta para o cultivo da sabedoria quando entendemos a sua linguagem, baseada na filosofia yin-yang, e o utilizamos com moderação, apenas quando estritamente necessário. Quando pessoas muito confusas consultam oráculos com frequência, é comum que se tornem fascinadas por eles, dependentes de suas respostas e que escutem apenas o que desejam e não o que necessitariam ouvir.

Sendo assim, uma segunda recomendação no uso do oráculo, seja como especialista, seja como consulente, é: aprenda a serenar o coração. Um coração agitado só pode fazer perguntas insensatas e obter respostas truncadas. Consequentemente, alguma estabilidade meditativa, alguma capacidade de esvaziar-se de expectativas e aceitar a vida como ela se apresenta é um requisito para o bom uso dessa ferramenta. É nesse estado que faz a pergunta, identifica-se os hexagramas e linhas que surgem como resposta, e contempla-se, com coragem e sinceridade, o seu sentido.

Quanto às respostas dadas pelo oráculo, contêm três dimensões: uma descrição da situação, um possível prognóstico de seu desenvolvimento caso as coisas sigam na direção atual, um conselho sobre a atitude de uma pessoa sábia diante da situação-problema.


Clássicos: : 5. O I Ching como professor

A postagem de hoje retoma a série clássicos. Mais uma vez, o tema é o Yìjīng (易經). Tanto um comentarista clássico, como Confúcio, como a transmissão oral que recebi, inaugurada no Brasil por mestre Liu Pai Lin, afirmam que o texto contém os segredos do Céu e da Terra. Sendo uma das principais referências tradicionais para compreender a filosofia yīn-yáng, o clássico pode, por isso mesmo, ser tratado como um professor que poderia nos iniciar na compreensão, desde que saibamos escutá-lo.

Por sua vez, para isso, uma via tradicional é a da transmissão oral. Uma pessoa viva, que encarna a experiência da compreensão e a exemplifica com sua presença corporal, aponta o caminho a seguir. De posse desse entendimento, podemos começar um diálogo com o “Clássico das Mutações”.

Como assinalou François Jullien em seu ensaio sobre o Yìjīng (易經), Figuras da Imanência, embora seja conhecido como um livro, o “Clássico das Mutações” começou sem palavras: um livro feito de linhas, ou como ele prefere dizer, traços. Nas duas linhas, contínua ou partida, está resumido tudo: yáng, movimento, firmeza, luminosidade, etc.; yīn, quietude, maleabilidade, obscuridade, etc.

Em combinações sucessivas, de duas, três e seis linhas, está codificada toda a cosmologia taoista. Em última instância, o que temos aqui é uma elaboração sofisticada do símbolo do Tàijí (太極)☯. Em poucas palavras, todos os fenômenos que ocorrem nos níveis da Terra, do ser humano e do Céu, podem ser sinteticamente descritos como diferentes combinações destes dois aspectos complementares, opostos, indissociáveis, em perpétua alternância. Compreender isso é a porta de entrada para uma compreensão do mundo que rompe totalmente com a noção de essência, no sentido que a metafísica ocidental deu ao termo. Aqui temos uma filosofia do movimento, da transformação, do jogo de forças. Um filosofia da fluidez.

Pintura da exposição temporária sobre os imortais. Acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor em setembro de 2018.

Sendo imagens de seis linhas, como um código de barras, quem criou os hexagramas usou vantajosamente a abstração, pois cada combinação de trigramas contém em si múltiplas possibilidades de interpretação, como é ilustrado na “Discussão dos Trigramas” que é parte das chamadas “Dez Asas”, a coletânea de comentários explicativos ao Clássico, escritos por Confúcio. Nesse texto, em particular, ficam evidentes as múltiplas possibilidades de significação de cada um dos trigramas, isto é, os oito conjuntos de três linhas que representam os fenômenos básicos da natureza, como vimos antes.

Por meio dessas imagens, o Clássico nos dá a ver, ou perceber, o mundo como jogo incessante de yīn e yáng. Uma maneira um tanto simplificada de explicar isso: digamos que é como se os antigos chineses tivessem inventado, milênios antes de nossos computadores, uma descrição da natureza em termos de um código binário, onde yáng é 1 e yīn é zero, sem com isso cair no erro de pensar o mundo em termos dualistas, visto que as oposições estão contidas no interior de todos os fenômenos e as definições de yīn e yáng são sempre contextuais e relacionais.

Esse modo de perceber está em consonância com vários dos saberes tradicionais chineses: medicina, geomancia, artes marciais, técnicas de longa vida, estratégia militar, mesmo a pintura ou a música, entre outros.

Aprender o Tao: 3. o lugar do gesto

Nessa nova postagem da série, o foco está no aprendizado prático. Para saber fazer, dependemos de uma capacidade humana fundamental de perceber e reproduzir semelhanças, que Walter Benjamin chamou de “faculdade mimética”. Consideremos que, nesse contexto, ela se manifesta como a capacidade de observar, reconhecer e reproduzir movimentos corporais, com suas sutis qualidades implícitas e sensações características, ideia que já havia desenvolvido no capítulo 6 de minha tese de doutorado, dedicado ao aprendizado do Tàijíquán.

Imortal voando num dragão, detalhe de pintura do acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor, setembro de 2019.

Mas como isso participa do aprendizado do Tao? Duas respostas provisórias: I) pelo fato de aprendermos a sentir com o corpo e no corpo a naturalidade e a fluidez eficaz; II) e de adquirirmos habilidades motoras e perceptivas que são o fundamento de vários saberes taoistas. Quanto ao primeiro aspecto, destaco que certos conceitos filosóficos caros ao taoismo, como os de wújí (無極), de tàijí (太極) ou de wúwéi (無為), por exemplo, são de difícil compreensão quando ficam restritos ao nível do intelecto, mas algo simples no plano da experiência corporal. No começo, ao observar como faz o/a mestre/a, ou ao menos algum/a praticante mais experiente, fica evidente uma certa graciosidade eficaz, sem esforço e aparentemente sem intencionalidade. Depois, com o tempo de treinamento, isso se evidencia na experiência pessoal, ao se ganhar gradualmente maestria sobre uma determinada técnica, até que ela faça parte da potência do corpo, não sendo mais algo distinto dele. Uma vez compreendido o gesto exemplar da técnica, com suas nuances sutis, o caminho é repetir e repetir, treinando até se apropriar dele. Em um primeiro momento, para certos/as estudantes, o intelecto pode ajudar a sistematizar uma compreensão rudimentar inicial, mas o verdadeiro aprendizado é sem palavras. É ele que sedimenta o conhecimento, que passa a fazer parte do repertório potencial de habilidades corporais.


É assim que 1 hábil artista marcial executa uma técnica em uma fração de segundo, reagindo à situação sem pensar. Também desse modo, 1 acupunturista experiente lê toda a condição de 1 paciente ao tocar seus pulsos e auscultá-los e insere as agulhas em pontos precisos de modo indolor. Dessa maneira, também a meditação começa, simplesmente ao se assumir a postura corporal e a atitude existencial correta: o se manifesta e começa a circular espontaneamente. Cada uma das habilidades que venho desenvolvendo gradualmente ao longo dos anos se deve à convivência com exemplos vivos: o mestre, um/a professor/a, um/a irmã/o de treinamento mais generosa/o que abriu as portas da compreensão ao proporcionar uma experiência marcante. Uma vez entendida a direção a seguir, só então, livros, imagens, vídeos e outros recursos didáticos e mnemônicos podem cumprir seu papel como ferramentas auxiliares ao aprendizado direto (corpo a corpo), graças à experiência pessoal previamente adquirida. O Caminho não se esgota: quanto mais se aprofunda, mais há a aprender e a compartilhar. Mas a partir de certo ponto é um aprendizado diferente: em vez de aumentar o volume de conhecimento, aprofunda-se a sua compreensão a tal ponto que o conhecimento se simplifica e se integra. Começamos a perceber os mesmos princípios que se expressam em diferentes áreas e múltiplas aplicações. Que perfeição! O próprio treinamento, se praticado corretamente, torna-se também um professor.

Aprender o Tao: 2. o lugar da imagem

Nessa segunda postagem da série, abordaremos o papel da iconografia na transmissão do Tao. Como ponto de partida, digamos que, no princípio está a experiência cinestésica, um corpo que sente e se move, no domínio pré-objetivo, sem a necessidade de palavras. Em segundo lugar, vem a imagem: símbolo, emblema, diagrama, pintura, síntese visual não só de uma experiência, mas de todo um entendimento não verbal acerca do mundo. Aqui cabem os dizeres geniais da obra clássica de Marcel Granet: o pensamento chinês é de natureza sintética. Ou dito de outro modo: poucos princípios, infinitas aplicações.

Imortal voando num dragão, detalhe de pintura do acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor, setembro de 2019.
O símbolo do Taiji rodeado do Bagua do Céu Anterior, com os trigramas Zhen e Xun atravessados pela espada, conforme utilizado pela linhagem taoista Pailin.

Tomemos como exemplo o símbolo mais central da tradição taoista, aquele que engloba seu traço mais distintivo. Uma verdadeira pérola da civilização chinesa. O símbolo do Tàijí (太極) ☯: yīn (陰) e yáng(陽) unidos em um movimento incessante de alternância, oposição, complementaridade e inseparabilidade. Uma só imagem que não apenas descreve de forma genial a natureza processual de todos os fenômenos, micro e macro, pessoais e coletivos, sociais e naturais, mas também prescreve uma postura existencial, informando uma verdadeira arte da existência. Os oito trigramas (八卦), oito manifestações básicas das possíveis combinações de yīn e yáng, nos três níveis da realidade: Céu (天), ser humano (人) e Terra (地) que compõem os 64 hexagramas do Clássico das Mutações (Yìjīng易經). Também eles são compostos de apenas duas possibilidades, yīn e yáng, dessa vez representados, respectivamente, por uma linha partida () ou uma linha contínua (). Resumindo, em uma representação iconográfica relativamente simples está contida toda uma filosofia da natureza, acessível à apreensão intuitiva.

Além de outras imagens clássicas da chamada filosofia yīn/yáng, como o Diagrama do Rio e o Livro Lo, poderíamos incluir como exemplos também as imagens alquímicas e mesmo as pinturas taoistas, nas quais o vazio tem pelo menos a mesma importância que as formas. Em certo sentido, a própria escrita chinesa, especialmente as formas mais estilizadas de caligrafia como estilo de pintura, tem essa característica imagética evocativa, habilmente utilizada também na poesia. O pictograma é uma palavra-imagem, com um poder evocativo distinto dos alfabetos das línguas ocidentais, ao menos para um/a leitor/a da língua chinesa suficientemente embebido/a em sua atmosfera cultural.

Detalhe de caligrafia sobre papel, acervo do National Palace Museum, Taipei, foto do autor em setembro de 2018.

No entanto, mais uma vez, para aprender o Tao não basta a imagem, pois em geral ela não se revela por si própria. É preciso um/a mestre/a que nos ensine a ver. Mais uma vez, é a presença corporal encarnada, em uma relação pessoal, que nos dá a ver o Tao por meio das imagens, assim como permitiu lê-lo ou ouvi-lo entre as palavras.

Aprender o Tao: 1. o lugar do texto e da transmissão oral

A nova série que começa hoje abordará aspectos do aprendizado do Tao. Na postagem de hoje, o tema é o papel das palavras. Embora seja óbvio que o Caminho está além das palavras, por isso mesmo, inominável e indescritível, como afirmado desde Laozi ou Zhuangzi, ainda assim, elas têm o seu lugar na transmissão. Diz-se que o cânon taoista contém 108 textos clássicos. No entanto, segundo a transmissão oral que recebi de meus professores, também é dito que as instruções realmente importantes nunca são colocadas na íntegra nos livros.

Imortal voando num dragão, detalhe de pintura do acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor, setembro de 2018.

Há motivos distintos para isso. Alguns aspectos do ensinamento estão além das palavras e só podem ser compreendidos intuitivamente, por experiência direta, mediante a prática consistente dos treinamentos que levam ao cultivo de um estado meditativo. Por isso, Laozi utilizou termos como mistério (xuán) ou maravilha (miào妙). Uma maneira de explicar isso para o/a leitor/a com um inclinação mais filosófica é recorrer à fenomenologia de Merleau-Ponty. Digamos que aquilo que é tematizado por referência à noção de Tao (道) seria da ordem do pré-objetivo. Ou seja, mais do domínio da percepção e da sensibilidade do que da ordem do intelecto e do discurso. Por outro lado, isso não inviabiliza que a tradição taoista tenha encontrado maneiras de comunicar essa compreensão fundada na experiência direta. Por isso, Zhuangzi afirma que o valor dos livros está em algo que se balança além das palavras. E no poema 1 do Xishengjing é dito: “Quando não se conhece o Tao, palavras criam confusão” [minha tradução] (Kohn, 1991, p.235 apud Bizerril, 2007, p. 19).


pintura do acervo do National Palace Museum, foto do autor, setembro de 2018.

Além disso, outro aspecto é que há conhecimentos técnicos específicos que poderiam causar danos se caíssem nas mãos erradas, de pessoas imaturas ou inescrupulosas. Assim, quem ensina é responsável por testar a maturidade e integridade da/o discípula/o antes de transmitir semelhantes conhecimentos. Só para ilustrar, os textos de alquimia interna foram escritos não só em linguagem poética, mas também repletos de imagens que sintetizam os segredos técnicos da prática, mas de uma forma cifrada, acessível apenas a quem tem a chave de leitura. Essa, por sua vez, depende de um/a professor/a qualificado/a e do desenvolvimento da sensibilidade e inteligência da/o praticante.

Assim, ao mesmo tempo que a tradição taoista confiou aos livros, e mais recentemente aos meios multimídia contemporâneos, sua experiência acumulada, ainda é necessário como ingrediente para o aprendizado, a transmissão oral que se faz de mestre/a a discípulo/a, de professor/a a aluno/a. E, como já foi mencionado em postagens anteriores, alguém só pode ser considerado mestre quando cumpre os critérios tradicionais que indicam que completou seu treinamento até atingir um nível de realização estável, cujos sinais foram reconhecidos coletivamente. Para ser instrutor/a, não é necessário ser mestre/a, mas é preciso ter praticado suficientemente o que se pretende ensinar, até obter seus benefícios, e ter a permissão de seu/sua próprio/a professor/a. Isso tudo porque um dos ingredientes fundamentais da transmissão é a palavra viva de alguém que vivenciou o que ensina e compreendeu essa vivência corretamente. Não basta eloquência e mero conhecimento intelectual.

Por outro lado, uma mestre/a pode deixar, como parte de seu legado, escritos para guiar seus/suas estudantes na direção certa. Mas não é demais repetir, mais uma vez, que as palavras apenas apontam o caminho a seguir.

Benefícios da prática em detalhes: 6. uma síntese

Ao longo dessa série, meu esforço foi responder, de modo acessível ao público leigo, a seguinte pergunta: mas afinal, por que praticar exóticos exercícios chineses como taijiquan ou qigong? Qual a relevância dessas práticas nos dias de hoje?

As várias postagens anteriores tentaram evidenciar, com contribuições de pesquisas da medicina ocidental os inúmeros benefícios comprovados, mensuráveis desses exercícios, que justificam recomendar sua prática como prevenção e promoção de saúde, como maneira de envelhecer sem decrepitude e com qualidade de vida, mas também como recurso terapêutico complementar para várias doenças crônicas. Foi isso que pretendi compartilhar, em linguagem acessível e utilizando uma fonte confiável de divulgação do conhecimento médico convencional sobre o tema.

Tendo compreendido os benefícios da prática, fica fácil entender porque o treinamento regular, de preferência diário, é um dos segredos da notável vitalidade, saúde e vivacidade de espírito de tantos e tantas praticantes experientes na China e pelo mundo afora, inclusive no Brasil, onde o famoso mestre Liu Pailin, fundador de uma das escolas que pratico e ensino, teve um papel pioneiro na divulgação da medicina tradicional chinesa e do métodos taoistas de longa vida, como o taijiquan e tantos outros.

mestre Liu Pailin (1907-2000)

Voltando à explicação baseada no pensamento chinês, as teorias de fundo que orientaram o desenvolvimento de técnicas corporais taoistas e outros métodos chineses de saúde e longevidade, como o taijiquan, provêm da filosofia taoista e da medicina tradicional. Em vez de separar/opor corpo e mente, como na perspectiva cartesiana que formou a medicina convencional ocidental, a relação corpo e mente é concebida aqui como um contínuo. A consequência é que o equilíbrio do dos órgãos e vísceras contribui para o equilíbrio emocional e vivacidade da consciência, e vice-versa. A plenitude do , a harmonia de yin e yang, a capacidade de manter o coração sereno diante das circunstâncias: tudo isso é a base da saúde e da longevidade, mas também o fundamento para percorrer o caminho do Tao. O equilíbrio no corpo é a base que permite o cultivo da espiritualidade. Por isso, ainda que toda a prática beneficie ao mesmo tempo a saúde e a serenidade, práticas mais aprofundadas de meditação normalmente são ensinadas depois dx praticante aprender a regular o e o coração, aqui entendido no sentido de consciência. Ou nos termos tradicionais, o “cultivo da vida” começa antes do “cultivo do espírito” e é a sua base.

As agitações e preocupações da vida diária, a relação desproporcional entre movimento e quietude, tudo isso cobra o seu preço sobre nossa saúde e sanidade. E, vivendo numa grande cidade, fica cada vez mais difícil escapar do excesso de trabalho, mas também do desgaste excessivo nos momentos de lazer. Mestre Pailin recomendava: “pessoas de meia idade (após os 35 anos), andem devagar”. Havia uma ironia não dita nessa recomendação: devagar, “a caminho do cemitério”. Quem quer ter uma vida longa e possuir não só saúde, mas também boa disposição e manter suas capacidades cognitivas e corporais também na velhice precisa aprender a se preservar. Descansar, manter o coração sereno, interagir com o da natureza, usar apenas a força necessária para realizar uma tarefa. Essas são as recomendações básicas contidas nos inúmeros ensinamentos do mestre. E treinar, treinar e treinar. O mestre afirmava que não ousava ficar um dia sem praticar. Explicava que sua longevidade e impressionante boa saúde em idade avançada se deviam aos treinamentos, pois era de uma família em que as pessoas morriam muito jovens.

Benefícios da prática em detalhes: 5. Mente calma e atenta

Na postagem de hoje sobre os benefícios da prática em detalhes, o assunto é a sua dimensão meditativa que, entre outros aspectos, tem efeitos na saúde cerebral e psicológica. Treinar taijiquan (e outros exercícios análogos, como qigong), além dos benefícios para a saúde descritos nas postagens anteriores, é também uma maneira dinâmica de cultivar uma qualidade meditativa por meio do movimento circular, lento e rítmico, a atenção total ao momento presente. Além disso, a respiração abdominal profunda propicia um aumento do relaxamento e do equilíbrio emocional. Utilizando os termos mais tradicionais para descrever a prática, o taijiquan e exercícios com princípios similares permitem cultivar ao mesmo tempo movimento e serenidade, equilibrando yin e yang. Cultivar e equilibrar o , alinhar a postura, manter o corpo forte e flexível, tudo isso contribui para uma sensação de bem-estar e estabilidade existencial.

Embora, ao falar em meditação em uma tradição de origem asiática, a primeira imagem a surgir na imaginação do público não especializado, com certa razão, é de alguém sentado no chão de pernas cruzadas, ao se comparar budismo e taoismo, observamos também que há métodos de meditação que utilizam posturas deitadas, de pé e mesmo em movimento, como a meditação andando budista, ou os exercícios com movimentos suaves desenvolvidos no contexto taoista. Inclusive há métodos para praticantes mais experientes, que visam manter a consciência meditativa durante todas as atividades cotidianas, contrastando cada vez menos a sessão formal de meditação e o viver.

No entanto, para iniciantes, o melhor é ter um momento específico e regular para desenvolver o hábito de estar presente no próprio corpo e completamente atentx à atividade que realiza naquele momento. Isso é particularmente precioso nas sociedades contemporâneas, cujo estilo de vida predominante, com suas intermináveis solicitações externas e distrações, forma pessoas cronicamente inquietas e distraídas. A incapacidade de relaxar, fazer silêncio e manter o foco sem tensão são problemas cada vez mais comuns nas grandes cidades. E uma boa parte das doenças crônicas contemporâneas tem como raiz o estresse. Considerando que o taijiquan (e similares) é uma alternativa não medicamentosa, livre de efeitos colaterais, simples e barata para os males do estresse atual, já dá uma ideia do valor desse verdadeiro patrimônio cultural da humanidade.

Pesquisas científicas nas áreas de saúde tanto revolucionaram a compreensão das relações entre mente e cérebro, quanto demonstraram os benefícios da prática para a saúde. Mais uma vez, refiro-me às contribuições do Guia de Tai Chi da Faculdade de Medicina de Harvard para detalhar alguns desses aspectos. Em primeiro lugar, é importante mencionar a hipótese da neuroplasticidade: conforme o conhecimento atual das neurociências, sabe-se que novas células cerebrais crescem a vida toda e que nossos hábitos e desafios de vida constantemente remodelam as conexões cerebrais. Algumas pesquisas na área citadas por esses autores, indicam que exercícios psicossomáticos têm um efeito na saúde cerebral e não só nas demais capacidades físicas mencionadas em postagens anteriores, como equilíbrio, força, flexibilidade e coordenação motora, mas também em funções cognitivas como percepção, memória, atenção e no equilíbrio emocional. Particularmente, o taijiquan pode ser um importante recurso para preservar nossas faculdades físicas e mentais enquanto envelhecemos. As pesquisas em neurociência indicam que a prática regular de exercícios que estimulem corretamente o cérebro com novas aprendizagens – como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma, fazer taijiquan ou dançar – favorecem o crescimento de novas células cerebrais, novas conexões neurais e a produção de neurotransmissores e neurorreceptores. E consequentemente podem ser uma ótima forma de manter a saúde cerebral por toda a vida. Citando vários estudos sobre os benefícios do taijiquan sobre a função cognitiva, os mesmo autores concluíram o seguinte: “O impacto do taiji sobre a função cognitiva pode ser atribuído, em parte aos seus efeitos sobre o condicionamento físico. […] No entanto, e de particular relevância para o taiji, estudos recentes indicam que os benefícios do exercício para a função cognitiva não se devem unicamente à aptidão cardiovascular, mas também à aptidão motora, que inclui equilíbrio, velocidade, coordenação, agilidade e força”(Wayne, Fuerst, 2016, p. 222). Outro ponto é que o exercício moderado parece ter um efeito maior de proteção contra perdas nas funções cognitivas, inclusive contra Alzheimer, do que exercícios extenuantes. No caso do taiji, uma vantagem adicional é a redução do estresse e a angústia, bem como o aumento da capacidade de lidar com situações potencialmente estressantes. E ainda, o aspecto imaginativo da prática tem um efeito cerebral complementar ao aspecto mais físico, com importantes efeitos sobre o cérebro e sobre o desempenho corporal. Acrescento a isso, que o conhecimento neurofisiológico acerca da meditação permite afirmar que sua prática regular beneficia as funções cognitivas, inclusive alterando a estrutura cerebral, e reduz o estresse.

Por fim, os autores concluem que, além dos aspectos citados acima, os benefícios do taiji decorrem também do fato que a prática coletiva permite aprender novas habilidades, participar de atividades de lazer e estabelecer vínculos sociais, tudo isso contribuindo para prevenir e retardar perdas da função cognitiva devido ao envelhecimento.