Conviver com (ou sobreviver a) períodos de limitação

Embora a vida seja movimento, esse movimento não é uniforme. Há períodos de expansão e fluidez, outros de retração e impedimentos, não importa o quanto tenhamos sabedoria e boa sorte. No entanto, o nível da dificuldade e do sofrimento dos tempos de limitação e infortúnio depende não só de circunstâncias alheias à nossa vontade – sejam elas naturais ou históricas -, mas também de nossos recursos subjetivos, existenciais, para lidar com elas. Para além da invenção individual, a arte taoista da existência pode trazer algum alento nessas situações.

Cachoeira Qiedong, arredores de Taipei, foto do autor, 2018.

No poema 78 do Daodejing (道德經), Laozi diz: “Sob o Céu/ Nada é mais suave e brando que a água/No entanto, para atacar o que é rígido e duro/ Nada pode se adiantar a ela/Nada pode substituí-la”. E a estrofe seguinte: “Assim/ A suavidade vence a força/ O brando vence o duro”. Essa metáfora do mundo natural, da água que escava a rocha sólida ou a contorna para seguir seu próprio curso, é um belo exemplo de sabedoria taoista para lidar com situações desafiantes: fluidez e adaptabilidade, em vez de rigidez e obstinação. Permanecer internamente fiel a si, mas sensível à situação, fazendo apenas o que é possível e necessário, até que o problema seja superado, às vezes de forma inesperada, pelo próprio curso da vida.

O sol refletido num córrego oculto na mata galeria, serra dos Pireneus, foto do autor, 2016.

Uma outra imagem inspiradora da água como metáfora do viver em situações adversas é o hexagrama Restrição ䷻, do Yijing (易經): abaixo o lago ☱, acima a água ☵, que se refere a um período de limitação inevitável. A água corrente se detém diante de um obstáculo, no caso uma depressão. E só pode voltar a correr depois de preencher totalmente esse espaço, até transbordar. Pacientemente, acumula forças até o momento propício para a superação. Tantas vezes não é possível avançar da maneira que pretendíamos e na velocidade que gostaríamos, mas é possível adaptarmo-nos às circunstâncias e seguir caminho. O desafio é manter as águas transparentes, límpidas, sem estagnar por frustração e impaciência. A marca de uma subjetividade saudável é a capacidade de seguir em frente, gerando novos sentidos, encontrando alternativas.

Quando o dilema é pessoal, a solução pode ser pessoal; mas quando o dilema é coletivo, em tempos como o nosso, de caos e crise social, a solução só pode estar no movimento solidário, para além de alternativas estritamente biográficas.

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