A tradição taoista se tornou mundialmente famosa por seu elogio à natureza. Desenvolvida por contemplativos que se refugiaram em montanhas e florestas, recusando honrarias e cargos na burocracia imperial, em busca das condições ideais para cultivar o qì e a serenidade. As histórias exemplares de mestres e mestras que teriam atingido a condição de imortal, falam do abandono das ambições mundanas. Mas será que para praticar o Tao é indispensável sair da cidade e renunciar a uma vida comum?
Certamente, como dizia mestre Liu Pailin, é recomendável a prática periódica em um ambiente natural dotado de um qì abundante e de boa qualidade, daí a busca por locais com um bom fengshui (風水) para treinar, inclusive com condições específicas dependendo do tipo de treinamento praticado. As andanças de Wang Liping e seus mestres pelas montanhas e outros lugares sagrados da China, descritas por dois de seus discípulos em Opening the Dragon Gate, biografia de um mestre contemporâneo da linhagem taoista Longmen (龍門), ilustram muito bem a importância do contato com a natureza no treinamento taoista.
Mas, ao contrário dessa condição privilegiada, se boa parte da população mundial vive em grandes cidades, e se mestres famosos como Liu Pailin escolheram viver nelas, deve haver maneiras de praticar o Caminho também em condições que não são as ideais. Uma solução parcial para quem não tem nem a inclinação nem a oportunidade para viver como eremita contemplativo nas montanhas é integrar a prática do Tao ao seu cotidiano urbano. Em muitas partes do mundo, onde há presença cultural chinesa, pode-se ver pessoas praticando qigong, taijiquan e outras artes marciais nos parques públicos das grandes cidades.
A dica é incluir na rotina diária momentos para praticar com constância um treinamento preferido ou recomendado, além de momentos para simplesmente relaxar, sem fazer nada especial. Após anos praticando diferentes métodos, cada qual com seu propósito específico, arrisco uma generalização: todos eles regulam o qì, ao mesmo tempo em que ensinam uma presença corporal no mundo, estar alerta e relaxado ao mesmo tempo. Combinando movimento suave e circular, a respiração natural e relaxamento dos músculos, aprendemos a mover o corpo com economia, fazendo apenas a força necessária ao movimento eficiente. Permanecendo de pé na “postura da árvore” ou sentadx em meditação silenciosa, aprendemos a serenar o coração, ao mesmo tempo que alinhamos a postura e fortalecemos o corpo de dentro para fora, e do invisível para o visível.
Além de eremitas contemplativxs, a história da tradição taoista conta também com praticantes que permaneceram nas vilas e cidades, em uma vida simples: cuidando de suas famílias, exercendo um ofício e cultivando o Tao sem chamar muita atenção para si. Embora seja mais frequente lembrarmos de especialistas nos diferentes ramos da medicina chinesa ou de artistas marciais, houve praticantes do Tao nos diferentes estratos sociais e exercendo os mais diversos ofícios, dos mais sofisticados aos mais modestos. E ainda hoje isso é assim. Em minhas andanças por Taiwan para estudar a linhagem Kunlun, também conheci irmãos e irmãs de treinamento das mais diversas profissões: empresários, massagistas, mecânicos, artesãos, herboristas, especialistas em fengshui, etc.
E assim continuam(os), sozinhxs ou em pequenos grupos. Não tanto como uma identidade social, mas mais como um caminho de vida. Com o desafio, para nós, pessoas complicadas do mundo contemporâneo, de viver uma vida pautada no amor, na simplicidade e em não desejar ser o primeiro. Movendo-se lentamente no fluxo acelerado da metrópole, saboreie as pequenas alegrias de cada momento; faça o que é necessário em cada situação, mas mantenha o coração sereno; contemple o movimento contínuo de yin e yang à sua volta, mas também em você mesmx.