Nesta terceira postagem sobre modo de vida taoista, o assunto é artes marciais. Particularmente, as chamadas “artes internas” são parte integrante do repertório de treinamento de muitas linhagens taoistas contemporâneas, mas não como um fim em si. As reflexões abaixo foram abordadas em mais detalhes em um capítulo recente sobre o lugar das artes marciais no caminho taoista, escrito em coautoria com dois dos meus principais interlocutores na etnografia sobre a linhagem Pailin, que com o tempo se tornaram professores, irmãos mais velhos de treinamento e amigos, Antonio Moreira (in memoriam) e Ronaldo Fernandes. Um clássico como o Daodejing (道德經) desaconselha a beligerância e recomenda o uso das armas apenas em último caso, quando inevitável. Ainda assim, a prática das artes marciais internas, com seus movimentos rítmicos circulares e graciosos, contribui para a educação corporal taoista. São ao mesmo tempo atividades lúdicas e artísticas, métodos para saúde e longevidade, qigong, meditação em movimento, formas de domar nossa agressividade, desenvolver coragem e compaixão, além de cultivar a escuta e a sensibilidade. No passado, serviram como um meio de autodefesa para taoistas itinerantes se protegerem de pessoas violentas e animais selvagens que encontravam em suas peregrinações para treinar nas montanhas sagradas da China.
Atualmente, na linhagem Pailin, praticamos Taijiquan e Baguazhang com ênfase no aspecto medicinal e meditativo, mas isso não quer dizer que a dimensão marcial deva ficar esquecida. Como afirmou o famoso mestre de Taijiquan, Yang Chengfu: “onde há forma, deve haver aplicação”. Mas, quando o objetivo é cultivar o Tao (Dào 道), é importante praticar sem competitividade, brutalidade e vontade de se impor ao outro pela força. Ainda nas palavras do mesmo mestre: “o objetivo de praticar artes marciais é estudar os segredos maravilhosos com amigos”.