Estar vivo é ser capaz de sentir, perceber e tomar decisões. Logo, as emoções são parte integrante da vida. Podemos entendê-las, num sentido prático, como uma disposição para a ação e, num sentido mais psicológico, como as cores da nossa paisagem subjetiva. Para a civilização chinesa clássica, cada conjunto de emoções é expressão do qì de um dos cinco movimentos (wǔxíng 五行): madeira, fogo, terra, metal, água. Em si, portanto, isso é natural. No entanto, quando as emoções se tornam excessivas na sua intensidade e duração, tirando-nos do nosso eixo e centro, tornam-se para a medicina chinesa um fator patogênico interno, simultaneamente causa e sintoma do desequilíbrio do qì, que pode ficar estagnado ou fluir em direções contrárias à circulação normal do organismo saudável, além de apresentar condições de excesso ou deficiência, onde deveria haver proporção e equilíbrio dinâmico. No princípio, o desequilíbrio é sutil e relativamente simples de corrigir, mas quando se torna uma condição repetida ou persistente, que segue sem medidas corretivas, pode evoluir para enfermidades graves e difíceis de tratar. Em nossos tempos de incerteza, instabilidade, velocidade e agitação, uma relação sábia com as emoções se torna crucial.
Não é que a agitação e a angústia sejam algo novo, pois o contrário é testemunhado por Laozi, no poema 12 do Dàodéjīng. Mas, como disse em outras postagens, isso chegou a um novo patamar no mundo contemporâneo globalizado. Uma característica das sociedades urbanas contemporâneas é a coexistência paradoxal de um estado de insensibilidade/apatia coletiva e de uma excessiva agitação. Resumindo, é como se o excesso de estímulos sensoriais e exigências de desempenho, sem falar dos medos e angústias coletivas acabassem por nos embrutecer e dessensibilizar. Consequentemente, e como compensação, a busca por sensações cada vez mais intensas, no prazer, no lazer, no entretenimento. Além disso, é claro, também a tendência ao manejo dos estados de humor por meios farmacológicos. Não é casual o aumento das demandas coletivas por intensidade: o aumento estatístico do consumo de substâncias psicoativas legais e ilegais; a mudança na estética dominante na indústria do entretenimento para uma narrativa cada vez mais rápida e para uma expressão mais gráfica/explícita de conteúdos de violência e crueldade; a popularização dos esportes de risco e aventura entre pessoas que tem condições objetivas de vida marcadas pela segurança; o aumento do número de decibéis nos grandes espetáculos musicais; a indústria dos aditivos químicos realçadores de sabor; dos odores artificiais para perfumar corpos e ambientes; as promessas da indústria do sexo de prazeres novos e mais intensos; etc. Um mundo mais vertiginoso e mais intenso. E quando a intensidade se torna insuportável, a demanda por anestesia: analgésicos, reguladores de humor, medicação para dormir.
Um aspecto do caminho taoista como arte de viver, é o governo de si. Isso não tem nenhuma relação com ideias de autocontrole, mas sim, com aprender a favorecer os mecanismos naturais de autorregulação do corpo, manter o coração sereno diante dos acontecimentos e cultivar a simplicidade. Embora se diga que o cultivo é lidar com o mundo real sem agitar o coração, isso não tem nada a ver com insensibilidade ou indiferença. Ao contrário, é desenvolver uma sensibilidade inteligente, que nos permite reagir de forma apropriada ao que as situações da vida demandam. A prontidão para uma ação rápida e eficaz, que não se confunde com uma reação impulsiva. Estar vivo/a é ser capaz de sentir, desfrutar as belezas da vida, sem avidez nem compulsão, comover-se com o sofrimento alheio, mas sem sentimentalismo ou desespero. Daí a alegoria clássica taoista, ainda que um tanto tendenciosa, sobre as três grandes correntes civilizatórias da China clássica: taoismo, budismo e confucionismo, representadas por seus respectivos fundadores. Ao provar o vinagre, apenas Laozi sorri. A vida tem suas características naturais, e isso não é bom nem ruim.