Existe um motivo para que os antigos textos taoistas tenham atravessado tantas gerações, é a sabedoria que eles contêm. Há algo a aprender com as experiências desses seres humanos extraordinários que habitaram épocas, paisagens e mundos culturais tão distantes dos nossos. Os clássicos taoistas preservaram uma compreensão profunda sobre o viver, nascida da capacidade de ficar em silêncio e observar a natureza, nela incluída a humanidade. Observando as mudanças e seus ciclos, presentes em todos os níveis, sintetizaram seu entendimento refinado em símbolos, como o do Taichi (Tàijí ☯), ou os hexagramas do Yìjīng, ou em versos, como os do Dàodéjīng, porque o que havia a dizer sobre a vida não cabe muito bem na linguagem linear do intelecto. A reflexão de hoje trata do que podemos aprender com o Tao sobre a ação.
E, ao pensar em ação numa abordagem taoista, haveria duas direções a seguir: os princípios que orientam a conduta e a importância da espontaneidade. Falar em conduta poderia nos levar a pensar em termos de moral, e até de uma moral religiosa, visto que o taoismo tem sido objeto de estudo no campo da religião comparada, da história e da antropologia da religião. Mas sem ir nessa direção, acho mais interessante apontar para o essencial. A inspiração que encontro nos clássicos como orientação para a conduta são três princípios que vimos em postagens anteriores, e descritos por Laozi como três tesouros: amorosidade, simplicidade e não querer ser o primeiro sobre a terra. Esses princípios dão o tom de uma atitude existencial, mas não equivalem a regras ou mandamentos. Inclusive, o apelo ao moralismo é sintoma da perda de contato com as qualidades naturais do Tao, como podemos ver no poema 18 do Dàodéjing: “Quando se perde o Grande Caminho/ Surgem a bondade e a justiça/ Quando aparece a inteligência / Surge a grande hipocrisia / Quando os seis parentes não estão em paz / Surgem o amor filial e o amor paternal / Quando há desordem e confusão no reino/ Surge o patriota”.
O Huáinánzĭ, que também está entre os mais importantes clássicos taoistas, ilustra a atitude taoista marcada por um certo relativismo moral, mas que não se confunde com cinismo. Pelo contrário, reflete um senso de adequação à situação, que depende de uma sensibilidade contextual , que oferece uma alternativa ao moralismo. Para dar uma ideia do que se trata, alguns fragmentos: “Certo e errado são situacionais. Na situação apropriada, nada é errado. Sem a situação apropriada, nada é certo”. Ou ainda: “O que é certo em um caso não é certo em outro, o que é errado em um caso não é errado em outro”. E mais adiante, na mesma sessão, conclui: “Portanto, líderes esclarecidos não impõem leis inúteis ou ouvem palavras ineficazes”.
Por fim, o tema da espontaneidade é central para o taoismo, sendo essa uma das características dos seres iluminados. Mas não se trata de espontaneidade, como frequentemente entendemos, no sentido de seguir os próprios impulsos sem discernimento, de fazer o que der na telha. A espontaneidade do Tao, é não ação, no sentido que a ação brota do vazio, da serenidade do coração e da receptividade que responde perfeitamente à necessidade da situação. Acontece assim, porque naquele instante não há uma identidade pessoal que protagoniza a ação como marca da sua presença no mundo. Não é um eu que age, há apenas o agir em harmonia com as circunstâncias, por isso, parece que nada foi feito, ou que ninguém agiu, mas ainda assim, ocorreu o que era necessário e eficaz. Quem sabe cada 1 de nós pôde experimentar isso, ainda que brevemente, mesmo uma única vez. Que isso possa nos inspirar a praticar formas de esquecermos de nós mesmos/as, para o bem de todos/as nós.