Benefícios do Taichi: uma explicação simples para iniciantes e pessoas interessadas

Quem ainda não conhece o Taichi (Tàijí 太極) mas já viu alguém praticando sozinho ou em grupo ao ar livre, pode ter se perguntado sobre qual o sentido de repetir movimentos lentos e circulares, que poderiam lembrar uma dança em câmera lenta. Por que será que milhões de pessoas, de diferentes gêneros, classes sociais, etnias, faixas etárias, nacionalidades e estilos de vida praticam essa arte chinesa pelo mundo afora? Será isso um exercício físico? Uma arte marcial? Uma meditação em movimento?

Quando falamos em Taichi, antes mesmo de referir-nos a uma prática corporal que contém, de fato, aspectos de arte marcial, técnica de longa vida e meditação, estamos falando de um dos conceitos centrais do pensamento chinês: a união de dinâmica de aspectos opostos e complementares presentes em todos os fenômenos do universo. A prática do Taichi, portanto, tem como fundamento filosófico essa intuição genial da civilização chinesa sobre o funcionamento da natureza, incluindo o corpo humano, como um processo dinâmico contínuo.

Em outras postagens, expliquei em mais detalhes os benefícios objetivos da prática, conforme evidências de pesquisas científicas recentes na área médica: melhorar o equilíbrio, a respiração e a saúde do coração; redução de dores e desconfortos; saúde mental e cerebral. Portanto, aqui quero acrescentar mais algumas informações sobre essa característica definidora dos exercícios de Taichi: o movimento lento, rítmico e circular.

Em primeiro lugar, mover-se devagar nos habitua a algo que raramente temos o privilégio de vivenciar nos tempos acelerados da vida urbana contemporâneo, rica de agitação, informação, compromissos, atividades e exigências de desempenho. Por alguns instantes por dia, podemos desacelerar, relaxar e nos livrar do estresse de cada dia. A capacidade de relaxar, de não fazer esforço, que é algo natural, inerente ao nosso organismo, está sendo perdida por alguns e algumas de nós, que não sabemos mais parar nosso movimento incessante. Considerando o papel do estresse em muitas doenças modernas, dispor de uma ferramenta para manejo e redução do estresse diário pode ser um importante recurso de medicina preventiva.

Em segundo lugar, o movimento lento proporciona um exercício de baixo impacto, que pode ser praticado por qualquer pessoa, independente de seu nível de condicionamento físico. Um exercício que fortalece e alonga com menor risco de lesões. Um exercício que tonifica a musculatura de sustentação, sem ser extenuante e doloroso. E melhora a respiração e a circulação de forma gradual. Os movimentos lentos e circulares, têm uma riqueza particular, por isso melhoram nossa coordenação motora, principalmente a capacidade de coordenar as diversas partes do corpo para um movimento mais econômico e integrado. Por isso, a transmissão oral do Taichi diz: “a força é gerada pelos pés e pernas, comandada pela cintura e expressa pelos braços e mãos”.

Por fim, o movimento em câmera lenta nos permite desenvolver a consciência corporal, mais precisamente, a consciência do alinhamento postural, da distribuição do peso, da posição no espaço, do tônus, e, nos exercícios a dois, da intenção e postura do parceiro/a de treino. Aprendemos a sentir o encadeamento entre um movimento e outro. Em vez de gestos isolados, em staccato, a movimentação passa a ser percebida como um ciclo infinito de alternâncias: avançar e recuar, erguer e descer, expandir e recolher, leve e pesado, cheio e vazio. O símbolo do Taichi (☯️) então é vivenciado como uma experiência no corpo e não mais como um conceito abstrato. E é essa vivência que proporciona a quem pratica, e comunica até a quem observa, um certo senso de harmonia e serenidade.

A combinação de todos esses fatores beneficia ao mesmo tempo o aparelho locomotor, o funcionamento dos órgãos internos e a saúde psicológica. Além disso, é uma atividade agradável para praticar quando desejamos estar sozinhos/as em silêncio, ou em contato com amigos e amigas. Praticar continuamente sob orientação de um instrutor ou uma instrutora competente pode nos tornar pessoas mais saudáveis, mais longevas, mais equilibradas e, quem sabe, até sábias.

Benefícios da Prática em Detalhes: 3. cuidar do coração

Nessa nova postagem da série, damos continuidade ao detalhamento de alguns dos inúmeros benefícios da prática. E dessa vez o assunto é o coração. Na medicina tradicional chinesa, o coração é descrito como o “monarca” dentre os órgãos e vísceras, e a sede da consciência, ou termos chineses do shén (神). Dada a sua importância, um dito taoista afirma que “todas as doenças se iniciam no coração”, recomendando cautela diante de qualquer desequilíbrio que atinja esse órgão, seja por fatores externos, por desequilíbrio do do demais órgãos, por alimentação inadequada ou por desequilíbrios emocionais.

De modo análogo, o Guia de Tai Chi da Faculdade de Medicina de Harvard ressalta que, além das suas óbvias funções relativas à circulação sanguínea, a medicina ocidental tem também reconhecido as relações do coração com o sistema nervoso, endócrino e imunológico. Não é por acaso que os problemas cardiovasculares sejam uma das maiores causas de doença e morte em escala mundial. E disso decorre a recomendação que se adote um estilo de vida favorável à saúde cardiovascular, prevenindo fatores de risco como hipertensão, colesterol alto, estresse, etc. A mesma fonte aponta o taiji (e podemos acrescentar, mais uma vez, exercícios com princípios similares, como o qigong de longevidade) como uma eficaz forma não medicamentosa de prevenção e reabilitação de doenças cardiovasculares, por combinar exercício, redução de estresse, equilíbrio emocional, capacidade respiratória e por sua prática coletiva proporcionar um espaço de convívio social. E menciona várias pesquisa médicas que corroboram essas afirmações.

Resumindo os argumentos, há alguns aspectos notáveis: 1) o taiji (e o qigong) é uma forma segura de exercício aeróbico, cuja intensidade (dependendo do ritmo e das posturas) é adaptável a praticantes com diferentes níveis de condicionamento físico (do paciente de cardiopatia ao atleta); executado de forma moderada, seu impacto comparável a uma caminhada. 2) por suas qualidades meditativas, o exercício reduz o estresse, a depressão e a ocorrência de explosões de raiva, pois tem um efeito regulador do humor e das emoções. 3) a respiração profunda característica do exercício favorece a atividade conjunta do coração e dos pulmões, bem como contribui para reduzir a pressão arterial, melhorar a circulação e acalmar.

Benefícios da Prática em detalhes: 2. redução de dores e desconfortos

Dando continuidade a série dos benefícios da prática, a postagem de hoje aborda seu efeito sobre dores e desconfortos. Do ponto de vista da medicina chinesa, a dor e diversos tipos de desconforto corporal estão associadas à estagnação e ao bloqueio da livre circulação de e sangue. Tais bloqueios podem ser causados por traumatismos e lesões, mas também por fatores climáticos, alimentação inadequada e desequilíbrios emocionais. Dentre os diversos métodos tradicionais (acupuntura, moxabustão, ventosaterapia, guasha, massagem, etc.) utilizados para aliviar o problema, estão os exercícios terapêuticos, como taijiquan e qigong, por sua notória capacidade de incrementar a boa circulação, a quantidade e qualidade de , um aspecto importante para manter a saúde, segundo a medicina chinesa.

O Guia de Tai Chi da Faculdade de Medicina de Harvard menciona pesquisas na área médica que reforçam a ideia que movimentos podem ser um tratamento eficaz indicado para dor, inclusive em casos crônicos. Particularmente movimentos suaves, como os dos exercícios terapêuticos chineses ou do yoga indiano, por aumentarem a força, a flexibilidade, melhorarem o alinhamento, a respiração e produzirem bem estar. A mesma fonte afirma que a dor é um dos motivos mais frequentes para se buscar médicos e a maior razão para uso de medicamentos. Enquanto a dor aguda é um recurso evolutivo para proteger a integridade do organismo, a dor crônica é disfuncional, mais difícil de explicar e de tratar do ponto de vista da medicina ocidental convencional. Resumindo uma discussão complexa, digamos que as dores crônicas podem resultar de uma combinação de lesão, inflamação, hipersensibilidade de certas áreas do corpo e enrijecimento do tecido conjuntivo, além de componentes psicossomáticos. Embora analgésicos possam aliviar a dor, podem também ter efeitos colaterais desagradáveis, além de não tratarem a causa da dor.

O alongamento e fortalecimento dos tecidos, combinados à melhoria da circulação no local doloroso são alguns dos benefícios dos movimentos lentos e suaves dos exercícios citados acima, além de melhorar a respiração e o estado de humor. O cultivo do alinhamento postural e consciência do peso, o princípio de abrir a articulação do quadril (kuà 胯), o alinhamento dos pés, o princípio de “não forçar”, o movimento coordenado a partir do centro de gravidade do corpo – característicos do tajiquan e do qigong de longevidade -, tudo isso pode prevenir o desgaste das articulações e fortalecer os músculos e tendões sem expor esses tecidos a lesões por esforço excessivo ou movimento abrupto. A respiração abdominal tem efeito relaxante, além de melhorar a circulação. Além disso, o aspecto meditativo da prática tem um efeito de redução de estresse favorável à redução da dor.

Em particular, no caso de nossa linhagem, ainda que todo treino de movimento de seu repertório tenha benefícios globais semelhantes, além do taijiquan e das diversas formas de qigong, destaco também os “Exercícios para a Flexibilização das Nove Dobras” e “As Oito Formas para Alongamento dos Tendões”, da transmissão do mestre Liu Pailin, como exercícios destinados ao público em geral para recuperar a flexibilidade dos tendões e músculos, bem como a mobilidade das articulações, eficientes na remoção de bloqueios e limitações de movimento, ao mesmo tempo simples e de fácil execução.

Benefícios da prática em detalhes: 1. Equilíbrio

A postagem de hoje inaugura uma nova série, na qual os benefícios da prática de qigong e taijiquan serão tratados em mais detalhes. O primeiro ponto a ser tratado é a questão do equilíbrio. Um aspecto central do aprendizado das práticas chinesas de longevidade é o refinamento da consciência corporal. E um de seus aspectos é a consciência da postura, do alinhamento e da distribuição de peso do corpo. A capacidade de manter o equilíbrio é fundamental para a saúde, mas também pode ser vista até mesmo como um fator de sobrevivência, visto que quedas podem causar lesões graves, especialmente fraturas. E a gravidade de suas consequências aumenta com a idade justamente porque o envelhecimento muitas vezes traz consigo simultaneamente uma redução das habilidades motoras e o enfraquecimento de ossos e articulações.

O Guia de Tai Chi da Faculdade de Medicina de Harvard indica os benefícios da prática do Taiji tanto para melhorar o equilíbrio como a densidade óssea, mencionando várias pesquisas na área médica. Os autores do livro elencam quatro componentes do equilíbrio: 1) a força e flexibilidade do sistema músculoesquelético; 2) a precisão da ação combinada de visão, propriocepção e do ouvido interno na percepção da posição do corpo e das condições do ambiente circundante; 3) a sinergia neuromuscular; 4) os processos cognitivos necessários a manter o equilíbrio, prever situações perigosas, coordenar atividades motoras simultâneas e reagir a situações de desequilíbrio. Todos esses fatores tendem a declinar em pessoas idosas e podem ser trabalhados pela prática regular do Taiji e técnicas afins.

O Taijiquan e outras artes marciais internas, bem como formas de qigong de longevidade que seguem os mesmos princípios motores e posturais – movimento lento, circular e suave, consciência do eixo e do centro de gravidade – podem ser uma excelente solução para os problemas de equilíbrio, ao fortalecer as pernas, aumentar a flexibilidade, cultivar o alinhamento postural. Os movimentos em “câmera lenta”, característicos dessas formas de exercício, tanto fortalecem a musculatura de modo gradual, como desenvolvem a consciência postural e a sensibilidade visual e tátil às condições do ambiente. Ao que parece, a prática continuada melhora a organização sensorial, o controle do equilíbrio, a coordenação motora e a capacidade de se recuperar de um desequilíbrio. Além disso, a redução geral da ansiedade e o aumento da autoconfiança com relação à própria destreza também têm um efeito benéfico sobre o equilíbrio.

O hábito de relaxar (fàngsōng 放鬆) que se desenvolve na prática tem um sentido bem específico. Diferente de simplesmente deixar o corpo mole e sem tônus, significa soltar o peso para baixo, descer o centro de gravidade, “sedimentar”, “enraizar-se”, ao mesmo tempo mantendo o alinhamento vertical e cultivando a consciência do terreno sob as solas dos pés. Essa é uma metáfora antropomórfica bastante eficaz: cultivar o corpo centrado e alinhado tem também um efeito existencial.

A Eficácia dos Treinamentos: 3. uma explicação com base na medicina convencional

Nesta terceira postagem da série, examinaremos as contribuições das pesquisas da ciência médica convencional, que têm indicado benefícios dos treinamentos que são concretos, mensuráveis e explicáveis em termos do conhecimento científico moderno.

Pesquisas experimentais, que podem ser localizadas nas plataformas de divulgação de periódicos científicos, mas também em alguns livros recentes, têm demonstrado vários benefícios da prática regular de qigong, taijiquan e exercícios similares. Em particular, por sua uma obra recente acessível em português, recomendo o Guia de Tai Chi da Faculdade de Medicina de Harvard (cujo capítulo 1 está disponível nesse link), que sintetiza o resultado de várias pesquisas, disponíveis na literatura científica especializada.

Mais uma ilustração do Baduanjin, acervo do National Palace Museum, Taipei, foto do autor.

Esse tipo de exercício tradicional chinês tem várias vantagens: podem ser praticados durante toda a vida por pessoas de qualquer faixa etária e diferentes condições de saúde; são um recurso barato para a promoção da saúde, prevenção e tratamento de várias doenças; tem um efeito psicossomático; apesar de serem de baixo impacto, trabalham força, flexibilidade, resistência, coordenação motora e capacidade cardiorrespiratória.

Resumo abaixo as conclusões da revisão literatura médica acerca dos benefícios da prática regular, elaborada na segunda parte no Guia do Tai Chi.

É sabido que o risco de quedas, e das fraturas decorrentes delas, aumenta com a idade. Um dos primeiros benefícios da prática regular de taijiquan e qigong é o aumento do equilíbrio, ou seja da estabilidade postural, com consequente diminuição da ocorrência de quedas. Isso se deve a esses exercícios beneficiarem o sistema musculoesquelético, por meio da transferência de peso, mantendo sua força e flexibilidade, especialmente dos membros inferiores, bem como pela ênfase no alinhamento vertical. Além disso, com seu ritmo lento e contínuo, desenvolve a capacidade de propriocepção e a orientação espacial, contribuindo para uma melhor organização sensorial. Por sua diversidade de movimentos, melhora a coordenação dos padrões neuromusculares, o que favorece uma caminhada mais estável e permite uma melhor recuperação de escorregões e tropeços. Ao diminuir a ansiedade e o medo de cair, a prática também favorece os processos cognitivos associados ao equilíbrio.

Além disso, outro benefício é a prevenção da perda de densidade óssea, decorrente do envelhecimento e, no caso das mulheres, da menopausa, até mesmo o aumento da massa óssea com a prática prolongada desses exercícios, que por serem de baixo impacto, podem ser praticados inclusive por pessoas com baixo condicionamento físico e quadros de osteopenia e osteoporose.

Outro aspecto notável da prática é a redução de dores e desconfortos, sejam eles decorrentes de tensão muscular, sejam o efeito de doenças e lesões articulares, ou mesmo casos de dor crônica. Os exercícios suaves alongam e fortalecem os tecidos, além de melhorarem a circulação. O alinhamento postural previne o desgaste das articulações, bem como evita a sobrecarga muscular decorrente do corpo desalinhado. O princípio de “não forçar” ao se exercitar previne lesões. Isso sem falar, dos benefícios psicológicos da prática decorrentes de seu aspecto meditativo, e do apoio social que advém do treinamento coletivo.

Há ainda benefícios cardiorrespiratórios notáveis. A prática regular é um exercício aeróbico seguro, que fortalece o coração, desenvolve a respiração abdominal suave, melhora a oxigenação e a circulação, bem como tem bons resultados na prevenção e recuperação de doenças cardiovasculares.

Por fim, sendo uma atividade meditativa por excelência, o taijiquan (assim como o qigong) é eficaz na redução do estresse, desenvolve a atenção, reduz a ansiedade e a depressão, estabiliza o humor e melhora a qualidade do sono. Por fim, estimula positivamente a neuroplasticidade, mantendo a vivacidade e a lucidez mental até uma idade avançada.

Liu Pailin (1907-2000)

Contudo, mais do que as evidências científicas, o que mais me inspirou a praticar foi o exemplo vivo dos mestres. Tive o privilégio de conhecer o famoso mestre Liu Pailin nos seus últimos anos de vida. Ele transbordava vitalidade com mais de 90 anos de idade. Idoso, mas sem sinais de decrepitude: a pele lisa, os músculos firmes, os olhos brilhantes de inteligência viva e perspicácia, o corpo flexível, um homem cheio de alegria de viver. Enfim, a prova viva dos benefícios do taiji e do qigong.