Benefícios da prática em detalhes: 5. Mente calma e atenta

Na postagem de hoje sobre os benefícios da prática em detalhes, o assunto é a sua dimensão meditativa que, entre outros aspectos, tem efeitos na saúde cerebral e psicológica. Treinar taijiquan (e outros exercícios análogos, como qigong), além dos benefícios para a saúde descritos nas postagens anteriores, é também uma maneira dinâmica de cultivar uma qualidade meditativa por meio do movimento circular, lento e rítmico, a atenção total ao momento presente. Além disso, a respiração abdominal profunda propicia um aumento do relaxamento e do equilíbrio emocional. Utilizando os termos mais tradicionais para descrever a prática, o taijiquan e exercícios com princípios similares permitem cultivar ao mesmo tempo movimento e serenidade, equilibrando yin e yang. Cultivar e equilibrar o , alinhar a postura, manter o corpo forte e flexível, tudo isso contribui para uma sensação de bem-estar e estabilidade existencial.

Embora, ao falar em meditação em uma tradição de origem asiática, a primeira imagem a surgir na imaginação do público não especializado, com certa razão, é de alguém sentado no chão de pernas cruzadas, ao se comparar budismo e taoismo, observamos também que há métodos de meditação que utilizam posturas deitadas, de pé e mesmo em movimento, como a meditação andando budista, ou os exercícios com movimentos suaves desenvolvidos no contexto taoista. Inclusive há métodos para praticantes mais experientes, que visam manter a consciência meditativa durante todas as atividades cotidianas, contrastando cada vez menos a sessão formal de meditação e o viver.

No entanto, para iniciantes, o melhor é ter um momento específico e regular para desenvolver o hábito de estar presente no próprio corpo e completamente atentx à atividade que realiza naquele momento. Isso é particularmente precioso nas sociedades contemporâneas, cujo estilo de vida predominante, com suas intermináveis solicitações externas e distrações, forma pessoas cronicamente inquietas e distraídas. A incapacidade de relaxar, fazer silêncio e manter o foco sem tensão são problemas cada vez mais comuns nas grandes cidades. E uma boa parte das doenças crônicas contemporâneas tem como raiz o estresse. Considerando que o taijiquan (e similares) é uma alternativa não medicamentosa, livre de efeitos colaterais, simples e barata para os males do estresse atual, já dá uma ideia do valor desse verdadeiro patrimônio cultural da humanidade.

Pesquisas científicas nas áreas de saúde tanto revolucionaram a compreensão das relações entre mente e cérebro, quanto demonstraram os benefícios da prática para a saúde. Mais uma vez, refiro-me às contribuições do Guia de Tai Chi da Faculdade de Medicina de Harvard para detalhar alguns desses aspectos. Em primeiro lugar, é importante mencionar a hipótese da neuroplasticidade: conforme o conhecimento atual das neurociências, sabe-se que novas células cerebrais crescem a vida toda e que nossos hábitos e desafios de vida constantemente remodelam as conexões cerebrais. Algumas pesquisas na área citadas por esses autores, indicam que exercícios psicossomáticos têm um efeito na saúde cerebral e não só nas demais capacidades físicas mencionadas em postagens anteriores, como equilíbrio, força, flexibilidade e coordenação motora, mas também em funções cognitivas como percepção, memória, atenção e no equilíbrio emocional. Particularmente, o taijiquan pode ser um importante recurso para preservar nossas faculdades físicas e mentais enquanto envelhecemos. As pesquisas em neurociência indicam que a prática regular de exercícios que estimulem corretamente o cérebro com novas aprendizagens – como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma, fazer taijiquan ou dançar – favorecem o crescimento de novas células cerebrais, novas conexões neurais e a produção de neurotransmissores e neurorreceptores. E consequentemente podem ser uma ótima forma de manter a saúde cerebral por toda a vida. Citando vários estudos sobre os benefícios do taijiquan sobre a função cognitiva, os mesmo autores concluíram o seguinte: “O impacto do taiji sobre a função cognitiva pode ser atribuído, em parte aos seus efeitos sobre o condicionamento físico. […] No entanto, e de particular relevância para o taiji, estudos recentes indicam que os benefícios do exercício para a função cognitiva não se devem unicamente à aptidão cardiovascular, mas também à aptidão motora, que inclui equilíbrio, velocidade, coordenação, agilidade e força”(Wayne, Fuerst, 2016, p. 222). Outro ponto é que o exercício moderado parece ter um efeito maior de proteção contra perdas nas funções cognitivas, inclusive contra Alzheimer, do que exercícios extenuantes. No caso do taiji, uma vantagem adicional é a redução do estresse e a angústia, bem como o aumento da capacidade de lidar com situações potencialmente estressantes. E ainda, o aspecto imaginativo da prática tem um efeito cerebral complementar ao aspecto mais físico, com importantes efeitos sobre o cérebro e sobre o desempenho corporal. Acrescento a isso, que o conhecimento neurofisiológico acerca da meditação permite afirmar que sua prática regular beneficia as funções cognitivas, inclusive alterando a estrutura cerebral, e reduz o estresse.

Por fim, os autores concluem que, além dos aspectos citados acima, os benefícios do taiji decorrem também do fato que a prática coletiva permite aprender novas habilidades, participar de atividades de lazer e estabelecer vínculos sociais, tudo isso contribuindo para prevenir e retardar perdas da função cognitiva devido ao envelhecimento.