Tao: o silêncio entre as palavras

Compreender o Tao é paradoxal. Por isso Laozi disse: “Minha palavra é bastante fácil de compreender/ bastante fácil de praticar/ mas, sob o céu, ninguém consegue compreendê-la/ ninguém consegue praticá-la” (Dàodéjīng, poema 70) . O que os antigos chineses chamaram de Caminho ou Caminho Natural é algo que está sempre presente a cada experiência, simplesmente como as coisas são. Mas está tão perto, é tão simples, que, por isso mesmo, está aquém ou além das palavras. Daí, no contexto taoista, desde a antiguidade aos dias atuais, pessoas sábias utilizaram termos como “indescritível”, “sem nome”, “profundo”, “grande”, “misterioso” ou “maravilha”, na tentativa de apontar a direção, de ensinar-nos a reconhecer do que se trata, por meio de nossa própria experiência.

Imortal voando num dragão, detalhe de pintura do acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor, setembro de 2018.
Detalhe de pintura da exposição temporária sobre os imortais, acervo do National Palace Museum, setembro de 2018.

Não é algo que o intelecto consegue apreender, não é algo que possa ser explicado, mensurado, provado. Mas é algo que pode ser percebido, treinando a sensibilidade. E quando isso acontece, e temos a sorte de contar coma orientação de 1 mestre ou mestra competente, temos uma experiência nítida e livre de dúvida. Lendo as biografias de mestres e imortais do passado, podemos encontrar tanto perfis mais contemplativos, pessoas que se recolheram em montanhas e florestas para cultivar o Tao, quanto pessoas que tiveram uma existência comum, com uma vida simples em família e ganhando seu sustento com uma profissão. Se não temos o desejo de viver reclusos/as nas montanhas, ou a condição para fazê-lo, podemos praticar na vida que vivemos, na cidade. Mais importante dos que as condições externas ideais para praticar – como as que foram buscadas por eremitas, monges e monjas ao longo da história da China – é a capacidade de encontrar o silêncio em nós mesmos/as, pelo menos alguns instantes todos os dias. Uma maneira estruturada para fazer disso um hábito é aprender um método confiável de meditação. Mas se diz que a base para praticar, antes mesmo de aprender qualquer técnica, é regular o coração (Tiáoxīn 調心): isso significa simplificar a vida, reduzindo desejos, necessidades e ambições desnecessárias.

Detalhe de pintura da exposição temporária sobre os imortais, acervo do National Palace Museum, setembro de 2018.

E de posse dessa simplicidade básica, não só a meditação, mas qigong, artes marciais, pintura, caligrafia, música, medicina, enfim todas as artes tradicionais praticadas por taoistas, podem ser um porta de entrada para o Tao. Todas elas valorizaram o aprendizado prático, o refinamento da sensibilidade, a fluidez do gesto, a atenção combinada ao relaxamento, o ajuste à situação concreta do presente. Na quietude da meditação formal; nos movimentos lentos e circulares do qigong; nos movimentos ágeis e precisos das artes marciais (seja o combate com as mãos livres, ou com armas, como a espada); no pincel que traça paisagens ou palavras entremeadas de espaços vazios; nas notas musicais que ressoam ritmicamente entre silêncios; na acuidade dos métodos diagnósticos e no uso eficaz dos tratamentos (com massagem, agulhas, ventosas, moxabustão). etc. Em todas essas situações está presente o potencial para entrar em contato com as qualidades do estado natural, a união de quietude e movimento contínuo. Mas além de todas as artes tradicionais, com sua beleza, cada atividade trivial do cotidiano também é uma preciosa oportunidade para perceber o estado natural, desde que estejamos vivos/as, relaxados/as e atentos/as.