No processo de desenvolver o novo curso online, I Ching Taoista: um introdução ao Clássico das Mutações, lembrei do meu primeiro contato com o I Ching, ainda adolescente. Com a tradução para o português da edição de Wilhelm e Jung nas mãos, tentava usá-lo como oráculo. Fiquei fascinado com sua profundidade e sabedoria. Mas só com a leitura do livro, sem um/a professor/a qualificado/a, nem nenhum conhecimento taoista, era como tatear no escuro. Era antes da internet. Assim, as fontes de informação eram muito mais raras e difíceis de obter. (Hoje as coisas podem parecer diferentes com o excesso de informação disponíveil, mas o problema permanece o mesmo. Sem a chave de leitura que vem da tradição oral, continuamos tateando no escuro, ainda que nos consideremos experientes autodidatas.) Lembro de imagens como: “é preciso atravessar a grande água”, “pisa no rabo do tigre, mas ele não morde”, “você recebeu dez cascos de tartaruga, suprema boa fortuna”… Sabia que tinha algo importante ali, mas era difícil entender. Por onde começar? Como avançar?
Alguns anos depois, nos final dos anos 90, decidi estudar taoismo no meu doutorado em antropologia, ainda sem saber do que se tratava ao certo. Era a combinação exótica da antiga civilização chinesa que me atraía: poesia, arte marcial, meditação, medicina tradicional. Queria fazer um trabalho antropológico mais clássico, lidando com uma diferença cultural mais marcada, e estudar ao mesmo tempo vários temas que me interessavam: corpo, espiritualidade e poética.
Por sorte, meu orientador de doutorado conhecia uma pessoa na própria universidade que poderia abrir a porta de acesso ao grupo, uma aluna do mestre. Foi assim que ouvi pela primeira vez o nome do mestre Liu Pailin, que na época vinha a Brasília dar cursos de formação taoista na Unipaz. O rosto desse ancião chinês estava estampado em cartazes espalhados pela cidade. Se bem me lembro, assisti uma palestra pública do mestre em 1998, com tradução consecutiva do chinês. Mestre Liu já estava no Brasil desde 1977, divulgando os conhecimentos tradicionais taoistas. Foi pioneiro do Taichichuan, da massagem Tuiná, da meditação taoista e do ensino dos textos clássicos, como o I Ching.
Em setembro de 1998, parti para São Paulo, para o meu primeiro período mais intensivo de trabalho de campo. Foi neste contexto que escutei o mestre Liu falar do I Ching, como um texto filosófico que revelava os segredos do caminho taoista. Por exemplo, ele utilizava os hexagramas para explicar algum detalhe de um treinamento importante, ou para falar do ciclo da vida humana. O mestre enfatizou muitas vezes que o clássico não apenas um oráculo, mas que continha uma explicação profunda dos segredos da natureza, as relações entre o Céu e a Terra, os ciclos de yin e yang e como isso afetava a vida humana.
No mesmo período, conheci Antonio Moreira, discípulo do mestre Liu, e talvez o maior especialista no estudo do I Ching entre os discípulos do mestre. Antonio foi um dos maiores colaboradores na pesquisa de doutorado sobre a linhagem taoista Pailin. Concedeu longas entrevistas, apontou outros/as possíveis participantes com belas histórias de vida e inclusive sugeriu a algumas dessas pessoas que me dessem entrevistas. À medida em que me aprofundei nos treinamentos taoistas como parte do meu caminho pessoal, Antonio se tornou também um amigo e um “irmão mais velho de treinamento”, de quem aprendi bastante sobre meditação e I Ching. Ele tinha também um visão refinada das relações interpessoais e políticas dentro da escola e esteve sempre disponível quando necessitei de orientação.
Ele já atuava profissionalmente com o oráculo há alguns anos quando o conheci. E foi ao final de segundo período trabalho de campo em São Paulo, em 1999, que fiz com ele uma primeira consulta oracular bastante profunda. Comecei a perceber todo o potencial do I Ching como oráculo.
Em 2003, Antonio esteve em Brasília, ministrando seu curso O I Ching Taoista, em três módulos, a convite do NEPT, um grupo de praticantes que organizou alguns eventos de formação da linhagem Pailin no início da década. Nele, recebemos de Antonio uma introdução sistemática ao I Ching, baseada na tradição oral taoista, nos estudos pessoais desenvolvidos por esse verdadeiro aficcionado pelo Clássico das Mutações e em sua longa experiência profissional com a consulta oracular. De posse dos fundamentos corretos para a compreensão do I Ching, uma porta se abriu para mim.
A partir dali, meu interesse e compreensão do I Ching aumentaram bastante. Estudei minhas anotações pessoais do curso do Antonio, os escritos dos mestres Liu Pailin e Liu Chihming, e os livros de outros comentaristas e especialistas, como o mestre Wu Jyhcherng, sacerdote que fundou a Sociedade Taoista do Brasil. Com a chave de leitura da transmissão taoista, o clássico fez cada vez mais sentido.
Mais de dez anos se passaram, enquanto continuei a estudar, um pouco de cada vez. Em momentos de crise, fazia consultas ao oráculo, buscando mais clareza sobre a direção a seguir. A elegância e precisão do oráculo me fascinaram. Com o coração sereno e alguma familiaridade com o simbolismo, as respostas eram tão adequadas à situação!
Em 2015, mais uma vez graças à ajuda de Antonio, recebi a iniciação da linhagem taoista Kunlun Xianzong, em Taipei, com um pequeno grupo de peregrinos/as brasileiros/as. A partir desse ponto, os conhecimentos taoistas foram ocupando um espaço ainda maior na minha vida diária. Foi como parte desse movimento que comecei a desenvolver um curso de introdução à leitura taoista do I Ching, que começou a ser ministrado em 2018. Meu objetivo era oferecer uma introdução abrangente e acessível para iniciantes, mas fiel à profundidade do clássico e da leitura tradicional. Após algumas edições presenciais desse curso, em Brasília e Goiânia, fizemos em 2020 a primeira edição do curso em formato online, combinando um fim de semana ao vivo, exercícios e mentoria em sala de aula virtual e outras ferramentas.
Como etapa mais recente desse percurso, acabamos de concluir uma nova versão do curso I Ching Taoista: uma introdução ao Clássico das Mutações, agora inteiramente EAD, disponível nesse link. São os mesmos conteúdos (dos fundamentos à prática oracular), mas ficam disponíveis mais tempo que um curso presencial e cada participante pode fazer o curso no seu tempo, ao mesmo tempo em que conta com o suporte do professor.