Aprender o Tao: 3. o lugar do gesto

Nessa nova postagem da série, o foco está no aprendizado prático. Para saber fazer, dependemos de uma capacidade humana fundamental de perceber e reproduzir semelhanças, que Walter Benjamin chamou de “faculdade mimética”. Consideremos que, nesse contexto, ela se manifesta como a capacidade de observar, reconhecer e reproduzir movimentos corporais, com suas sutis qualidades implícitas e sensações características, ideia que já havia desenvolvido no capítulo 6 de minha tese de doutorado, dedicado ao aprendizado do Tàijíquán.

Imortal voando num dragão, detalhe de pintura do acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor, setembro de 2019.

Mas como isso participa do aprendizado do Tao? Duas respostas provisórias: I) pelo fato de aprendermos a sentir com o corpo e no corpo a naturalidade e a fluidez eficaz; II) e de adquirirmos habilidades motoras e perceptivas que são o fundamento de vários saberes taoistas. Quanto ao primeiro aspecto, destaco que certos conceitos filosóficos caros ao taoismo, como os de wújí (無極), de tàijí (太極) ou de wúwéi (無為), por exemplo, são de difícil compreensão quando ficam restritos ao nível do intelecto, mas algo simples no plano da experiência corporal. No começo, ao observar como faz o/a mestre/a, ou ao menos algum/a praticante mais experiente, fica evidente uma certa graciosidade eficaz, sem esforço e aparentemente sem intencionalidade. Depois, com o tempo de treinamento, isso se evidencia na experiência pessoal, ao se ganhar gradualmente maestria sobre uma determinada técnica, até que ela faça parte da potência do corpo, não sendo mais algo distinto dele. Uma vez compreendido o gesto exemplar da técnica, com suas nuances sutis, o caminho é repetir e repetir, treinando até se apropriar dele. Em um primeiro momento, para certos/as estudantes, o intelecto pode ajudar a sistematizar uma compreensão rudimentar inicial, mas o verdadeiro aprendizado é sem palavras. É ele que sedimenta o conhecimento, que passa a fazer parte do repertório potencial de habilidades corporais.


É assim que 1 hábil artista marcial executa uma técnica em uma fração de segundo, reagindo à situação sem pensar. Também desse modo, 1 acupunturista experiente lê toda a condição de 1 paciente ao tocar seus pulsos e auscultá-los e insere as agulhas em pontos precisos de modo indolor. Dessa maneira, também a meditação começa, simplesmente ao se assumir a postura corporal e a atitude existencial correta: o se manifesta e começa a circular espontaneamente. Cada uma das habilidades que venho desenvolvendo gradualmente ao longo dos anos se deve à convivência com exemplos vivos: o mestre, um/a professor/a, um/a irmã/o de treinamento mais generosa/o que abriu as portas da compreensão ao proporcionar uma experiência marcante. Uma vez entendida a direção a seguir, só então, livros, imagens, vídeos e outros recursos didáticos e mnemônicos podem cumprir seu papel como ferramentas auxiliares ao aprendizado direto (corpo a corpo), graças à experiência pessoal previamente adquirida. O Caminho não se esgota: quanto mais se aprofunda, mais há a aprender e a compartilhar. Mas a partir de certo ponto é um aprendizado diferente: em vez de aumentar o volume de conhecimento, aprofunda-se a sua compreensão a tal ponto que o conhecimento se simplifica e se integra. Começamos a perceber os mesmos princípios que se expressam em diferentes áreas e múltiplas aplicações. Que perfeição! O próprio treinamento, se praticado corretamente, torna-se também um professor.