Medicina Tradicional Chinesa: 4. Moxabustão

Nessa nova postagem da série, falaremos de outro  tratamento clássico da medicina chinesa. A moxa é um método antigo que utiliza a artemísia, às vezes em combinação com outras ervas medicinais, para queimar, defumar e aquecer certas regiões do corpo, agindo sobre os pontos de acupuntura, os canais e os colaterais. Sua prática está registrada desde o século VI a.C. Originalmente o método mais utilizado era moxa direta, os cones de artemísia aplicados diretamente sobre a pele.

img_4121Nas dinastias Jin e Tang, desenvolveu-se a moxa indireta com interposição de um anteparo (de sal, gengibre, alho ou outra substância) entre o cone de artemísia e a pele. E, por fim, durante a dinastia Ming desenvolveu-se a moxa em bastão. Além desses métodos, há outros como a caixa de moxa, para aquecer uma região maior, ou as agulhas aquecidas com moxa. Mais recentemente, desenvolveu-se um bastão de moxa feito de carvão de artemísia que tem a vantagem de não emitir fumaça. Entre os seus efeitos terapêuticos clássicos estão: remover o Frio, o aquecer os canais, estimular a circulação de e sangue, tratar edemas, desintoxicação, bem como o fortalecimento geral do organismo. A moxa também é recomendada no tratamento de alguns tipos de lesões das articulações. 9af9dbd1-842e-4174-9952-c26f452e2fd7-1Para isso, uma aplicação clássica, considerada um verdadeiro tratamento para longevidade, é a aplicação regular de moxa no ponto zusanli (E36).

Medicina Tradicional Chinesa: 2. o estudo dos clássicos

Na postagem de hoje, damos seguimento ao tema da medicina chinesa. O Huangdineijing (黃帝內經), Clássico Interno do Imperador Amarelo, é certamente o mais fundamental dos textos antigos de medicina chinesa. E apesar da utilidade dos inúmeros manuais modernos, mais fáceis de ler, e das pesquisas experimentais recentes, que testemunham o desenvolvimento continuado desses conhecimentos, o clássico não se tornou obsoleto. Continua a ser uma referência para reflexão sobre os princípios profundos dessa tradição médica até os dias de hoje. huangdiNo primeiro capítulo do Suwen (素問), o Imperador Amarelo, uma dos imperadores míticos fundadores da civilização chinesa, que teria iniciado seu reinado no ano 2697 A.C., pergunta ao médico taoista Qibo porque os seres humanos do passado eram capazes de viver mais de cem anos em boas condições de saúde, enquanto os de sua época estavam decrépitos aos cinquenta. Obviamente, estamos diante da referência a uma época mítica quando se vivia em consonância com o Tao. E contrasta com a situação histórica na época em que o texto é escrito, na qual o desconhecimento do Tao levava a vidas curtas e adoecimento. Embora o texto seja antigo,  a lição contida na resposta de Qibo é simples e continua atual: conhecendo e cultivando a harmonia de Yīn e Yáng, é possível ter uma vida longa e saudável. Logo, a saúde começa com os hábitos. Um estilo de vida simples e sem excessos, nem de trabalho, nem nos prazeres. Atento aos ritmos do dia e das estações, para regular as atividades em harmonia com as condições naturais e protegendo-se de fatores climáticos prejudiciais. O cultivo do coração tranquilo diante dos acontecimentos da vida, sem euforia diante dos objetivos atingidos e desejos realizados, nem desespero diante das tragédias e frustrações. Portanto, a saúde resultaria de um saber viver combinado à constituição da pessoa. Os tratamentos se tornariam necessários quando saímos do equilíbrio e perdemos a capacidade de fluir com a vida, seja em função de nossos hábitos, sejam em função de acontecimentos que abalam o cotidiano.

Modo de vida taoista: 5. Meditação

Nesse post sobre modo de vida taoista, o assunto é meditação. Embora haja diversas maneiras de praticar o Tao, em conformidade com as características de cada praticante, várias linhagens oferecem métodos contemplativos. A meditação é uma maneira de atualizar em nós os princípios taoistas, como  harmonia de yīn e yáng, e a não-ação (wúwéi ), entre outros. O corpo humano, como pequeno universo, ressoa com a natureza. A meditação é ao mesmo tempo uma prática de cultivo da vida e de cultivo do espírito. Sentando em silêncio regularmente, treinamos a serenidade e equilibramos nosso qì. É dito que todas as doenças começam no coração. E a meditação é o principal método para cultivar um coração límpido, tranquilo e amoroso. Assim, a meditação é uma prática de prevenção e promoção de saúde, pois mantém a união de yīn e yáng no ser humano, reduz as tensões e desequilíbrios,  remove os bloqueios, antes que se manifestem como doenças.  E ao mesmo tempo é uma prática de serenidade. A manifestação do sucesso na prática é a capacidade manter-nos assim também nas situações cotidianas, inclusive, em circunstâncias desfavoráveis, fazendo o que é necessário, mas sem se agitar.

Mestre Liu Pailin recomendava a prática diária da meditação Sentar na Calma, ressaltando seus benefícios para a saúde e a promoção da longevidade, assim como sua importância para o cultivo do Tao. Como detentor da transmissão de várias linhagens taoistas, nas décadas em que residiu no Brasil, entre o final dos anos 70 até o ano 2000, ensinou vários métodos, como a circulação dos Seis Centros, dos Oito Vasos Maravilhosos, da Via Láctea, entre outros, mas sempre enfatizou o poder e os benefícios do método mais básico e fácil de meditação taoista: o Abraço do Taiji, cultivar a união de Céu e Terra, Fogo e Água, na região do umbigo. Praticando a mais completa serenidade nesse abraço, até esquecer-se de si mesmo.

 

Modo de vida taoista: 4. Medicina tradicional chinesa

Outro aspecto integrante do modo de vida taoista é a medicina tradicional chinesa. Ao longo da história do taoismo, o estudo e a prática da MTC foram importantes aspectos dessa tradição, como forma de praticar uma atividade compassiva e como parte do cultivo da vida. O estudo da massagem, acupuntura, moxabustão, ventosaterapia, fitoterapia, dietoterapia e outros saberes da medicina tradicional faz parte do currículo de muitas linhagens taoistas. Mesmo para quem não deseja exercer a MTC, seus conhecimentos se integram à vida cotidiana, em primeiro lugar como medicina preventiva, que visa manter o equilíbrio entre os cinco movimentos (metal 金, água 水, madeira 木, fogo 火 e terra 地), preservando a saúde integral e proporcionando vida longa com qualidade. Há recomendações sobre estilo de vida, de modo a desfrutar da alegria de viver ao mesmo tempo em que nos mantemos saudáveis. Um exemplo é a aplicação do conhecimento da grande circulação dos 12 ramos terrestres (地支), que rege os 12 meridianos ordinários do corpo humano para selecionar os horários das atividades do dia, mas também ao longo das estações do ano e fases da lua: treinamentos, refeições, trabalho, descanso, tratamentos, etc. Cada período de duas horas do dia é regido por um dos ramos terrestres, que correspondem a um dos zangfu e seu meridiano correspondente. A cada um dos doze horários de duas horas de duração, a circulação de qì estará no seu apogeu no canal correspondente. Assim por exemplo, no horário da madeira (23:00-3:00) o ideal é dormir para recuperar o qì da Vesícula e do Fígado. No horário mais quente do dia (11:00-13:00), pertencente ao coração, o ideal é treinar a serenidade, alimentar-se ou repousar. Aliás, o modo de vida como um aspecto da saúde está em consonância com o conhecimento médico moderno: muitas doenças crônicas resultam de hábitos e condições cotidianas e não apenas de propensões hereditárias.

copa das árvores
próximo à mata galeria do parque Olhos d’água, foto do autor.

Além disso, para o pensamento clássico chinês, o corpo e a natureza não estão separados: possuem uma relação de correspondência. Por outro lado, há uma relação de determinação recíproca entre o qì dos órgãos e vísceras e as emoções.  Ou seja, o equilíbrio emocional é ao mesmo tempo um fator de promoção de saúde e um indicador de uma condição saudável. Quando entramos em desequilíbrio diante de situações de vida, o repertório da MTC está disponível para restaurar o equilíbrio temporariamente rompido.

O Corpo Taoista: 2. O País Interior

Nessa segunda postagem da série O Corpo Taoista, desenvolvo o ponto anterior. O corpo, como pequeno universo, possui uma paisagem interna que, como objeto de contemplação meditativa, pode ser descrito como “país interior”. Esse entendimento justifica a leitura dos conselhos para o bom governo no 3º poema do Daodejing (道德經) como governo de si:

A pessoa sagrada governa                                                                                                  Esvazia seu coração                                                                                                             Enche seu ventre                                                                                                            Enfraquece suas vontades                                                                                           Robustece seus ossos

O coração é a sede do shén (): tem o sentido amplo de mente, ao mesmo tempo pensamento e emoção. O ventre, a barriga, remete ao centro do corpo, a região em torno do umbigo, a raiz ou origem fetal (胎元). Vontades aqui são desejos. Robustecer os ossos é um dos efeitos do cultivo da vida (命功). Assim a pessoa sábia cultiva a serenidade do coração, a plenitude do e a simplicidade no modo de vida. E vivendo assim obtém a combinação de longevidade e serenidade.

Mas o país interior pode ter ainda conotações mais literais: composto de mar, campos, bosques e montanhas, por palácios nos quais estão divindades que habitam os órgãos e regem a saúde, como no célebre diagrama do Neijingtu, abaixo.

O Caminho do Retorno: envelhecer à maneira taoista

O Caminho do Retorno, artigo que publiquei em 2010, novamente na revista Horizontes Antropológicos, aborda o ciclo da vida na percepção da tradição taoista. Ainda que envelhecer seja uma inevitável parte da existência corporal, é possível fazê-lo mais lentamente, com qualidade de vida e saúde. Desse modo, envelhecer à maneira taoista é tornar-se fonte de benefício coletivo. Nossa experiência, a sabedoria que desenvolvemos ao longo dos anos, fica disponível para ser compartilhada, pois a vitalidade continua plena. Segundo a tradição, para quem seguir a natureza, é possível retornar à primavera. A velhice não precisa ser declínio inexorável, pode ser oportunidade de novo começo. Como já havia citado na epígrafe do artigo: “O retorno é o movimento do Caminho [Tao 道]“ (Daodejing 道德經, poema 40) Mas isso implica uma certa forma de viver, em sintonia com os ciclos naturais dos horários do dia e da noite, das fases da lua e estações. Na contramão da aceleração vertiginosa da vida contemporânea, aprender a mover-se mais devagar, como uma tartaruga, símbolo taoista por excelência da longevidade. Doze hexagramas do Yijing (易經), o Livro das Mutações, são utilizados para descrever o ciclo do dia, do ano e, por extensão, da vida humana:

12 hexagramas HA

(diagrama originalmente publicado em Bizerril, 2010, link acima)

O diagrama é lido de dentro para fora. No princípio do ciclo, há apenas yin (as linhas pretas interrompidas), situação representada pelo hexagrama Kun, o Receptivo, a Terra. O surgimento do Yang é representado pelo hexagrama Fu, o Retorno, com o aparecimento da primeira manifestação do yang (a linha branca contínua), que cresce gradualmente até ocupar todas as linhas do hexagrama Qian, o Criativo, o Céu. Tendo o yang chegado ao apogeu, a alternância é inevitável: na sequência surge uma linha yin no hexagrama seguinte, Gou. Daqui em diante, as linhas yin avançam  gradual e inexoravelmente até ocuparem novamente todo o hexagrama. Chegando a este ponto, há uma encruzilhada: a morte ou o retorno à vida. A estratégia taoista é desacelerar o processo natural de dispersão do e,  combinando os treinamentos a um modo de vida harmônico com as condições naturais, manter seu equilíbrio e plenitude. Mas a longevidade é apenas um aspecto do caminho. Além de treinar a vida, é preciso também treinar o espírito, por meio da serenidade. É com um coração sereno que as qualidades latentes de amor e sabedoria podem se manifestar espontanemente.  Esse é  um dos propósitos das práticas contemplativas.