Continuando com o propósito de relacionar vida cotidiana e filosofia taoista, o tema da postagem de hoje é uma parte fundamental dela. Enquanto a maioria das tendências do pensamento filosófico ocidental, da antiguidade até pelo menos o início do século XX, trabalhou com a ideia metafísica de essência, que o mais importante é algo imutável, o fundamento do pensamento taoista é o movimento, a mudança. Isto está expresso em conceitos como Tao (Dào 道), yin-yang (yīn-yáng 陰陽), Taichi (Tàijí 太極), mutação (yì 易), etc. Resumindo tudo isso num princípio simples: o caminho natural tende ao equilíbrio dinâmico; quando algo chega ao extremo se transforma no seu contrário.
Todos esses conceitos estão em consonância com uma característica fundamental de toda a vida, que podemos perceber ao observar a natureza, a sociedade ou nossa própria existência pessoal: tudo que está vivo está em perpétuo movimento. Na verdade, todo o universo, mesmo o que consideramos como matéria inanimada também está em movimento: nossos corpos e consciências, as sociedades e culturas, as plantas e animais, a paisagem geográfica, os corpos celestes e mesmo a menor das partículas. Em resumo, tudo é movimento, ritmo, mudança, transformação. Nesse ponto, o conhecimento tradicional chinês está em total concordância com o conhecimento científico moderno, seja da biologia, da física, da geografia, da astronomia, ou da história e das ciências sociais.
Se isso é óbvio no nível material, também faz sentido ao observarmos com cuidado nossa experiência existencial: estar vivo é vivenciar constantemente novas percepções, impressões, emoções, pensamentos, incessantemente. Estamos vivos enquanto nossa capacidade de autorregulação continua a fazer as mudanças adaptativas necessárias, sejam metabólicas, fisiológicas, motoras, mas também emocionais e cognitivas, relacionais, um ajuste existencial contínuo, em todos os níveis, diante das situações que mudam a cada momento. Estar vivo é mover-se, mas também sensibilizar-se, aprender, descobrir.
O que a prática do Tao nos ensina é a nos manter em movimento de modo inteligente, em harmonia com o que cada momento pede, sem fazer força desnecessária, sem agitar o coração. Assim, saboreamos mais cada experiência, envelhecemos com sabedoria e saúde, passamos por situações difíceis com alguma serenidade, não nos desgastamos à toa. Não é casual que uma expressão de realização do Tao seja o riso, leve e espontâneo como o de uma criança pequena. Algo que só podemos vivenciar num estado de relaxamento. E essa leveza nos sensibiliza, quando estamos na presença de um mestre realizado. Foi assim que muitas pessoas começaram a praticar, após se encontrarem frente a frente com o mestre Liu Pai Lin, como ouvi repetidas vezes no final do anos 90, quando fazia meu trabalho de campo antropológico em sua escola. Também foi essa leveza que me fez buscar o caminho. Obrigado, mestre!