Meditação Taoista: 04. relaxamento e perseverança

Relaxar é uma capacidade natural (e necessária) do nosso organismo, tanto do ponto de vista da filosofia taoista quanto dos conhecimentos modernos das ciências biológicas sobre o corpo humano. Contudo, em nossos tempos de estresse contínuo, excesso de estímulos sensoriais e inúmeras demandas a atender na vida pessoal e profissional, muitas pessoas estão se tornando incapazes de vivenciar um estado de relaxamento. Em casos mais graves, não conseguem nem mesmo dormir. Há também quem se sinta uma fadiga constante mesmo quando descansa. Mas o mais comum talvez seja uma situação mais moderada: estar constantemente em estado de certa tensão e inquietude, que nos impede não apenas de descansar, mas também de aproveitar plenamente momentos de alegria e prazer. A meditação pode ser um caminho para nos reconectar com nossa habilidade natural de relaxar.

Detalhe de pintura da exposição temporária sobre os imortais, acervo do National Palace Museum, foto do autor em setembro de 2018.

Além disso, muitxs de nós, para relaxar e aliviar as tensões, recorremos a distrações contínuas e outras formas de não estar consciente do momento presente, para esquecer temporariamente das tensões e problemas, os sofrimentos passados e as angústias sobre o futuro. Certamente, uma parte disso se deve a condições sociais que são estruturais do nosso tempo, e que demandam soluções coletivas. Por outro lado, nesse contexto, a distração, como fuga do presente, se torna um hábito profundamente arraigado, de tal modo que estar presente, em contato com o que acontece aqui e agora, torna-se algo difícil até de se imaginar. Quando se fala em “presença”, demoramos a entender do que se trata, pois nos acostumamos a estar todo tempo ocupadxs com nossas memórias e expectativas. Aqui também, a meditação oferece uma oportunidade para reaprender a arte de estar totalmente presente, por meio de métodos simples.

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O psicólogo Mihály Csíkszentmihályi, foto do seu perfil na Claremont Graduate Univesity,

Talvez alguns/mas de nós tenham lembrança de momentos em que estavam totalmente absorvidas em uma atividade: uma brincadeira, um esporte, tocar um instrumento, pintar, dançar, etc. Quem sabe vivenciamos um estado de fluxo, conforme a definição do psicólogo Mihály Csíkszentmihályi: um estado de fusão entre a consciência e a atividade realizada, com um foco completo no momento presente e uma prazerosa sensação de realizar a atividade de forma bem sucedida sem esforço.

Num nível mais avançado, meditar é encontrar repetidamente essa experiência de fluxo na sessão formal de meditação. Mas também é acostumar-se a essa maneira de existir e poder vivenciar isso com frequência crescente na vida cotidiana, cuidando das tarefas diárias e no contato com outras pessoas e demais seres vivos.

Praticando com constância, mas respeitando nossos limites, estar presente e relaxado se torna um hábito. Para isso, praticamos com muita gentileza:

1) encontre uma postura confortável e alinhada, que nos permita ficar algum tempo relativamente imóvel. Mas não é a imobilidade forçada de transformar nosso corpo numa estátua: o corpo respira e faz micro-ajustes no alinhamento, os músculos tensos relaxam, liberando a tensão desnecessária.

2) permaneça na sessão apenas enquanto a mente está relaxada/relaxando. Não lutamos contra o diálogo interior, nem tentamos prolongar à força os momentos de quietude e silêncio. Aqui vários métodos para focar a mente podem nos ajudar a relaxar.

Nos dois casos, é mais sábio fazer sessões curtas e pausas durante as sessões, praticando com muita gentileza, para cultivar relaxamento e presença, em vez de fazer da prática de meditação mais uma fonte de estresse. Com paciência, gradualmente, meditar fica fácil e os benefícios ficam óbvios.

Benefícios do Taichi: uma explicação simples para iniciantes e pessoas interessadas

Quem ainda não conhece o Taichi (Tàijí 太極) mas já viu alguém praticando sozinho ou em grupo ao ar livre, pode ter se perguntado sobre qual o sentido de repetir movimentos lentos e circulares, que poderiam lembrar uma dança em câmera lenta. Por que será que milhões de pessoas, de diferentes gêneros, classes sociais, etnias, faixas etárias, nacionalidades e estilos de vida praticam essa arte chinesa pelo mundo afora? Será isso um exercício físico? Uma arte marcial? Uma meditação em movimento?

Quando falamos em Taichi, antes mesmo de referir-nos a uma prática corporal que contém, de fato, aspectos de arte marcial, técnica de longa vida e meditação, estamos falando de um dos conceitos centrais do pensamento chinês: a união de dinâmica de aspectos opostos e complementares presentes em todos os fenômenos do universo. A prática do Taichi, portanto, tem como fundamento filosófico essa intuição genial da civilização chinesa sobre o funcionamento da natureza, incluindo o corpo humano, como um processo dinâmico contínuo.

Em outras postagens, expliquei em mais detalhes os benefícios objetivos da prática, conforme evidências de pesquisas científicas recentes na área médica: melhorar o equilíbrio, a respiração e a saúde do coração; redução de dores e desconfortos; saúde mental e cerebral. Portanto, aqui quero acrescentar mais algumas informações sobre essa característica definidora dos exercícios de Taichi: o movimento lento, rítmico e circular.

Em primeiro lugar, mover-se devagar nos habitua a algo que raramente temos o privilégio de vivenciar nos tempos acelerados da vida urbana contemporâneo, rica de agitação, informação, compromissos, atividades e exigências de desempenho. Por alguns instantes por dia, podemos desacelerar, relaxar e nos livrar do estresse de cada dia. A capacidade de relaxar, de não fazer esforço, que é algo natural, inerente ao nosso organismo, está sendo perdida por alguns e algumas de nós, que não sabemos mais parar nosso movimento incessante. Considerando o papel do estresse em muitas doenças modernas, dispor de uma ferramenta para manejo e redução do estresse diário pode ser um importante recurso de medicina preventiva.

Em segundo lugar, o movimento lento proporciona um exercício de baixo impacto, que pode ser praticado por qualquer pessoa, independente de seu nível de condicionamento físico. Um exercício que fortalece e alonga com menor risco de lesões. Um exercício que tonifica a musculatura de sustentação, sem ser extenuante e doloroso. E melhora a respiração e a circulação de forma gradual. Os movimentos lentos e circulares, têm uma riqueza particular, por isso melhoram nossa coordenação motora, principalmente a capacidade de coordenar as diversas partes do corpo para um movimento mais econômico e integrado. Por isso, a transmissão oral do Taichi diz: “a força é gerada pelos pés e pernas, comandada pela cintura e expressa pelos braços e mãos”.

Por fim, o movimento em câmera lenta nos permite desenvolver a consciência corporal, mais precisamente, a consciência do alinhamento postural, da distribuição do peso, da posição no espaço, do tônus, e, nos exercícios a dois, da intenção e postura do parceiro/a de treino. Aprendemos a sentir o encadeamento entre um movimento e outro. Em vez de gestos isolados, em staccato, a movimentação passa a ser percebida como um ciclo infinito de alternâncias: avançar e recuar, erguer e descer, expandir e recolher, leve e pesado, cheio e vazio. O símbolo do Taichi (☯️) então é vivenciado como uma experiência no corpo e não mais como um conceito abstrato. E é essa vivência que proporciona a quem pratica, e comunica até a quem observa, um certo senso de harmonia e serenidade.

A combinação de todos esses fatores beneficia ao mesmo tempo o aparelho locomotor, o funcionamento dos órgãos internos e a saúde psicológica. Além disso, é uma atividade agradável para praticar quando desejamos estar sozinhos/as em silêncio, ou em contato com amigos e amigas. Praticar continuamente sob orientação de um instrutor ou uma instrutora competente pode nos tornar pessoas mais saudáveis, mais longevas, mais equilibradas e, quem sabe, até sábias.