O Tao e a exaustão contemporânea

Na postagem de hoje, damos continuidade ao diálogo entre a tradição taoista e o mundo contemporâneo. Já há algumas décadas o estresse e as doenças dele decorrentes foram consideradas um dos grandes problemas mundiais de saúde pública nas grandes cidades. Mais recentemente, a Organização Mundial da Saúde lançou um alerta sobre os danos causados pelo estresse no ambiente de trabalho. Não é que a tensão e a exaustão fossem desconhecidas de nossos ancestrais. Em sua análise sobre a origem das doenças, o excesso de trabalho foi considerado pela medicina tradicional chinesa como um fator de adoecimento, por desgastar os recursos do organismo, esgotando precocemente o e o jīng. Quem deseja viver muito deveria buscar um equilíbrio entre atividade e repouso, não simplesmente entre trabalho e lazer. Essa advertência é uma aplicação elementar da filosofia yīn-yáng ao manejo da saúde e o cultivo da vida. Para que haja equilíbrio, onde há movimento precisa haver também quietude, em uma saudável alternância, um tàijí ☯.

Os três deuses da boa fortuna (da direita para a esquerda, Fú 福, Lù 祿 e Shòu 夀), detalhe sobre a entrada de um templo taoista em Zhulishan, New Taipei. Foto do autor, janeiro de 2016

No entanto, em nossos tempos de aceleração constante, de movimento desenfreado, essa questão se tornou mais aparente e urgente. Hoje em dia, são muitos os apelos para a corrida desenfreada: incontáveis estímulos, tarefas, conexões, informações, atividades, desejos de consumo, imperativos da sobrevivência. Agitadxs e nervosxs, acabamos ficando exaustxs, por excesso de trabalho, mas também na tentativa de aliviar a tensão, nos momentos de lazer. Relaxar, uma resposta natural do organismo, que pode ocorrer periodicamente a qualquer momento, tornou-se um luxo, algo que necessita de todo um aparato técnico para ser obtida por alguns instantes. Uma civilização do excesso. Mas onde queremos chegar, correndo assim? Adoecemos e envelhecemos precocemente, antes de poder desfrutar dos resultados de nossos esforços. Como já dizia, repetidas vezes, o mestre Pailin: “pessoas de meia idade, andem devagar” (a caminho do cemitério)!

A população urbana tem desaprendido o valor do silêncio, do repouso, da contemplação. A vida contemporânea é pautada por um verdadeiro horror à quietude, ao espaço vazio, à pausa. E não é simplesmente insensatez individual, mas uma insanidade coletiva, sistêmica. É um imperativo dessa entidade metafísica insaciável, o Mercado: trabalhe, produza, enriqueça, lucre. Mas é também um hábito profundamente entranhado em nossos corpos. Mesmo quando deixamos o ambiente de trabalho, seguimos em uma atividade incessante, nem que seja entreter-se na tela de um dispositivo eletrônico. E assim avançamos, dia a dia, à beira do colapso. Não são apenas trabalhadores e trabalhadores exploradxs que vivem assim, mas também seus patrões. De fato, é preciso estar numa posição muito privilegiada no mundo profissional para poder recusar trabalho, estabelecer limites, desfrutar de horas suficientes de descanso e lazer. Não é uma questão apenas de discernimento individual e sabedoria, mas de condições sociais objetivas.

O filósofo Byung-Chul Han (1959-)

O filósofo Byung-Chul Han descreve a situação atual em seu livro “Sociedade do Cansaço“. Vivemos em uma sociedade do desempenho, formada por “empresários de si mesmos”(p.23), individualmente responsáveis por seu próprio sucesso ou fracasso, que naufragam na depressão quando não conseguem cumprir a obrigação de ter sucesso. Essa exigência constante de sucesso, visibilidade, produtividade é que nos leva à exaustão. O excesso exaustivo de desempenho tornou-se sinônimo de investir na própria carreira e até na própria vida, uma forma de autoexploração. Daí a epidemia de depressão, como “cansaço de fazer e de poder”(p.29), numa sociedade em que é preciso poder tudo. O excesso não está somente no trabalho, mas também nos estímulos, informações e desejos. Daí, uma atenção dispersa, incapaz de contemplar, que se entendia com facilidade e odeia o tédio. Han faz um elogio à contemplação profunda e ao lento, que embora não se refira às práticas taoistas e sua arte da existência, bem que podem nos servir aqui: “Só o demorar-se contemplativo tem acesso também ao longo fôlego, ao lento. […] No estado contemplativo, de certo modo, saímos de nós mesmos, mergulhando nas coisas” (p. 36).

Detalhe de pintura da exposição temporária “imortais”, acervo do National Palace Museum, Taipei, foto do autor em setembro de 2018.

Séculos antes da crise civilizatória atual, a tradição taoista já havia descoberto o valor da contemplação, cultivada na imobilidade do corpo por meio da meditação, e nos movimentos suaves e lentos das técnicas que hoje chamamos de qìgōng e tàijíquán, mas cujos princípios são muito mais antigos que esses nomes modernos. Silêncio e quietude, não como conceitos abstratos, mas como experiências saboreadas com o corpo. A serenidade não só como aspecto de um caminho contemplativo, se preferirem espiritual, mas como parte integrante do cultivo da vida, da boa saúde, aqui compreendida como equilíbrio dinâmico, não como justificativa para a obsessão pela boa forma.

O Tao e as angústias contemporâneas

A postagem de hoje aborda um outro aspecto do diálogo possível da tradição taoista com os dilemas do nosso tempo. Obviamente, os textos clássicos antigos não disseram nada específico a respeito do momento atual, pois foram escritos séculos antes, por pessoas que nunca vivenciaram essas condições históricas e culturais. No entanto, a riqueza desses textos, de sua interpretação por praticantes vivxs é o que torna os clássicos úteis. Clássicos, aqui, são aqueles textos que contêm o termo jīng (經) em seu título. Alguns deles tem sido citados nesse blog com frequência, como o “Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo” (Huángdìnèijīng 黃帝內經), o “Clássico das Mutações” (Yìjīng 易經) ou o “Clássico do Caminho e da Virtude” (Dàodéjīng(道德經).

Os três deuses da boa fortuna (da direita para a esquerda, Fú 福, Lù 祿 e Shòu 夀), detalhe sobre a entrada de um templo taoista em Zhulishan, New Taipei. Foto do autor, janeiro de 2016
Zygmunt Bauman (1925-2017)

Algumas análises sobre o mundo contemporâneo apontam para a instabilidade da condições sociais e suas consequências nas vidas individuais. Por questões de espaço, não vou me estender aqui sobre isso. Mas talvez um dos autores mais conhecidos seja o sociólogo Zygmunt Bauman. Ele descreveu o mundo contemporâneo das sociedades globalizadas como um momento de instabilidade, velocidade, fluidez, consequentemente de imprevisibilidade e precariedade. Daí o termo modernidade líquida, a passagem de uma sociedade da estabilidade, da ordem e da produção, para uma nova configuração, de instabilidade, desregulamentação e consumo: a liquefação da modernidade. Um mundo com mais possibilidades, mas ao mesmo tempo, com mais desamparo: o grande risco é o de se tornar redundante. Por isso, ao analisar as angústias do início do século XX, descritas por Freud em 1930, Bauman constata que as angústias atuais são outras: mais associadas à insegurança e ao excesso de referências contraditórias do que ao excesso de ordem e à repressão. Não é por acaso que as formas predominantes de sofrimento psíquico atual – particularmente no campo da depressão, ansiedade e pânico, por contraste com a histeria e a neurose da época de Freud – apontem para a falta de um terreno sólido onde se apoiar, de uma direção segura a seguir e dos recursos para tomar decisões eficazes. Paradoxalmente, com a crise das instituições que deram o tom da modernidade, e a consequente insegurança e desorientação, os discursos fundamentalistas de todo tipo tenham se tornado tão sedutores: a promessa de segurança no interior de uma comunidade de iguais, deixando do lado de fora a diferença que amedronta e incomoda. Mais recentemente, não é casual o crescimento das formas mais fundamentalistas de cristianismo no Brasil e a ascensão de um novo conservadorismo marcado por discursos de ódio. E por outro lado, a popularidade de discursos individualistas ingênuos, bem exemplificados pela explosão do coaching, como se nosso sucesso ou fracasso, felicidade ou infortúnio, dependesse exclusivamente de nossa vontade, e como se nossos destinos coletivos não estivessem interligadas.

E como a filosofia e o modo de vida taoista podem oferecer alternativas a esse cenário? Parte da minha resposta se refere ao fato de praticar o Tao ser uma arte de viver. Em primeiro lugar, sendo uma filosofia do movimento, podemos entender que nunca houve nada sólido a que se agarrar: a mudança é a própria característica definidora da vida. Então nunca estivemos no controle, temos apenas possibilidades relativas de nos posicionar diante de situações que não controlamos. Mas podemos aprender a fluir inteligentemente de acordo com as circunstâncias, desenvolvendo a sensibilidade e a lucidez. Em segundo lugar, as três virtudes taoistas básicas – amorosidade, simplicidade e “não querer ser o primeiro sobre a terra” – descritas por Laozi, podem ser um antídoto aos venenos contemporâneos da relação predatória e consumista com os outros e à ambição desmedida que iguala o valor pessoal ao desempenho. Há milênios que essa referência fundante do taoismo recomenda cuidar da terra e de seus habitantes, seres humanos e não-humanos; desfrutar dos prazeres sem excesso e não desperdiçar os recursos; evitar a rivalidade e a competição.

Detalhe de pintura da exposição sobre os imortais, acervo temporário do National Palace Museum, foto do autor em setembro de 2018.

Feitos com constância, os treinamentos podem minorar o estresse e auxiliar a recuperar a sanidade nesse mundo caótico. Se conseguimos relaxar um pouco, temos condição de estar mais sensíveis ao momento presente, mais disponíveis para fazer contato com as outras pessoas, menos predispostxs a adoecer, sofrer acidentes ou iniciar conflitos desnecessários. E quando mesmo assim entramos em desequilíbrio, a medicina tradicional pode apoiar a capacidade natural de nosso corpo de se autorregular.

O Tao e as tecnologias de comunicação

O Taoismo (道家) é uma contribuição da civilização chinesa ao patrimônio cultural da humanidade. Essa antiga tradição, no entanto, não é uma peça de museu, um fóssil vivo, um documento arqueológico do passado distante, nem um tempero exótico com o qual consumidores e consumidoras das grandes cidades globalizadas possam apimentar a vida com mais distrações e experiências interessantes. Chegou até os dias de hoje por ter algo a dizer sobre o mundo em que vivemos. Ou melhor, porque tem algo a ensinar sobre a vida. Além disso, sobreviveu porque dialogou com as circunstâncias históricas, as culturas locais e as vidas cotidianas das pessoas que o praticaram, na China e pelo mundo afora. E particularmente, no momento atual, um ponto importante desse diálogo tem relação com as tecnologias de comunicação e seu impacto em nossas vidas. Esse é o tema da postagem de hoje.

Os três deuses da boa fortuna (da direita para a esquerda, Fú 福, Lù 祿 e Shòu 夀), detalhe sobre a entrada de um templo taoista em Zhulishan, New Taipei. Foto do autor, janeiro de 2016

Como já disse antes, a forma tradicional de transmitir o Tao é pela palavra falada e pelo gesto do mestre. Essa continua a ser a forma preferida pelos mestres e mestras taoistas, por ser a mais eficaz, a mais direta. No entanto, os tempos mudaram. Há algumas décadas o mundo se tornou mais conectado em termos de comunicação, informação e mesmo de deslocamento espacial de pessoas, coisas e símbolos. O que eram mundos culturais locais se abriram a novas misturas e conexões. Assim, as populações das grandes cidades do mundo passaram a estar expostas a uma multiplicidade de culturas, seja pelas migrações, seja pelos circuitos de arte, cultura e entretenimento, ou simplesmente pelas conexões digitais ao alcance da mão, em um celular ou computador.

Os tesouros culturais de mundos locais passaram a circular globalmente. No Brasil, foram milhares de imigrantes asiáticos que trouxeram consigo suas tradições. Esse foi o caso do mestre Liu Pailin, chegado ao Brasil no final dos anos 70, em visita a seus familiares já radicados no país. Ele foi um dos pioneiros chineses portadores dos conhecimentos do Taijiquan, da medicina tradicional e da meditação taoista, que divulgou pelo país afora por cerca de 20 anos. Percorrendo o Brasil, visitando a Argentina e o México, ele transmitiu oralmente os ensinamentos e deixou poucos escritos, principalmente apostilas de circulação interna em sua escola, apenas um livro, originalmente publicado no Japão com um discípulo, que foi posteriormente traduzido ao português, em 2007.

Como outros mestres tradicionais, seu legado perdura não só na memória e nos corpos de seus discípulos e discípulas, mas também no registros multimídia que agora também povoam a rede mundial de computadores: páginas de internet; vídeos no Youtube; perfis nas redes sociais dedicados a divulgar seu trabalho.

Não há nada de surpreendente nisso. Em tempos que a vida online e off-line se misturam, mesmo os conhecimentos corporais e a transmissão oral ecoam por essa via. A informação se tornou acessível numa escala nunca antes possível na história da humanidade. Apesar da transmissão nunca estar na íntegra num livro ou documento multimídia, fazendo a presença viva de quem instrui ainda indispensável, vários conhecimentos antes secretos se tornaram públicos. E é possível, inclusive, não apenas ter notícia de eventos, escolas e mestres pela web, mas também acompanhá-los à distância por meios das redes sociais e outras ferramentas. Agora é mais fácil saber onde encontrar as fontes confiáveis, desde que tenhamos critérios para filtrar o excesso de informação e imagens.

O paradoxo é que, em meio a tanto ruído, as palavras ditas sobre o Tao devem nos lembrar da importância do silêncio, ainda maior em nosso mundo performático e acelerado. Afinal, como diz o poema 23 do Dàodéjīng: “Falar pouco é o natural/ Um redemoinho não dura uma manhã/ Uma rajada de chuva não dura um dia”. O risco, ao se tentar comunicar o Tao para uma audiência virtual, é se perder na tentação da exibição de si que ronda toda ação nas redes sociais, na superficialidade para alcançar um maior público, no número de curtidas como valor.

O Qì é a base da vida. Mas o que é Qì?

O fundamento taoista do pensamento chinês que é a base da medicina tradicional e do qìgōng de longevidade é uma filosofia do movimento, da mudança. Como compreensão da vida, e aqui se incluem tanto concepções de natureza como de corpo humano, o conceito de é central. Mas, afinal, o que é ?

detalhe de pintura do acervo temporário do National Palace Museum, Taipei, foto do autor em setembro de 2018.

Uma maneira prática de tratar o assunto é entender o como uma linguagem dos antigos chineses para descrever as qualidades de diferentes fenômenos naturais: um organismo vivo, uma paisagem, um fenômeno climático, um alimento ou planta medicinal, inclusive um corpo humano, uma pessoa, sua condição de saúde ou doença, etc. Não se trata de algo no campo da crença. Não é preciso “acreditar em ” como se fosse algum tipo de entidade metafísica. Embora esse conceito remeta ao aspecto invisível dos fenômenos naturais, que move ou anima, o qì se percebe com os sentidos, é algo que se sente, como qualquer artista marcial, praticante de qìgōng, especialista em fēngshuǐ ou acupunturista pode atestar. De fato, aprender qualquer um desses conhecimentos tradicionais chineses é familiarizar-se na prática com isso.

O pictograma em estilo caligráfico.

O caractere mais frequentemente utilizado para representar (氣), deriva historicamente do caractere vento (風), o que levou alguns estudiosos, especialmente da escola francesa, a descrever o como sopro. Em sua estrutura, é formado pelos caracteres para vapor e arroz, conotando um aspecto sutil do ar e dos alimentos. Há também outro caractere para (炁) que consta dos talismãs taoistas e que, segundo a explicação do mestre Pailin, remete ao aspecto yáng de luminosidade e calor: fogo do Céu. Em geral, o conceito de tem sido traduzido para línguas ocidentais como “energia”, “vitalidade” ou “força vital”, inclusive em traduções conceituadas de textos clássicos chineses, manuais de medicina tradicional e na transmissão oral de muitos mestres chineses.

Especialistas dos Estudos Chineses, como a francesa Elizabeth Rochat de la Valée ou o brasileiro Orley Dulcetti Júnior, apontam que se refere à capacidade de movimento e transformação. Ou seja, é a chave para entender todos os fenômenos naturais da perspectiva chinesa. Apesar de muito usados, termos como energia, vitalidade e força vital são alheios ao pensamento chinês antigo. Derivam de tendências do pensamento científico e filosófico europeu e foram utilizados desde as primeiras traduções dos clássicos chineses para línguas ocidentais, ainda no século XVIII. Esses termos podem ser úteis por serem familiares, mas trazem consigo armadilhas, pois nos levam para o terreno da crença ou da tentativa de demonstração da existência objetiva de uma força ou substância, às vezes até apelando para uma confirmação por parte da ciência experimental ocidental.

Mestre Liu Pailin era bastante taxativo ao afirmar que os métodos taoistas que ensinava era baseados em um conhecimento da natureza, a essência da civilização chinesa, sem uma conotação mística ou religiosa. Desde a perspectiva da tradição taoista, uma boa maneira de compreender o que é é pela experiência pessoal com os treinamentos de qìgōng, tàijíquán, dǎoyǐn, meditação, etc. Praticando, desenvolvemos uma nova sensibilidade corporal e aprendemos a perceber o por meio de certas sensações descritas pela tradição (frio, calor, peso, formigamento, corrente elétrica, fluxo, vibração) que surgem espontaneamente durante os treinamentos. Além disso, os estudos de antropologia dos sentidos e antropologia da corporeidade podem ser ferramentas úteis para entender esses fenômenos e nos familiarizar com esse importante conceito chinês.

A única constante na vida é a mudança

Continuando com o propósito de relacionar vida cotidiana e filosofia taoista, o tema da postagem de hoje é uma parte fundamental dela. Enquanto a maioria das tendências do pensamento filosófico ocidental, da antiguidade até pelo menos o início do século XX, trabalhou com a ideia metafísica de essência, que o mais importante é algo imutável, o fundamento do pensamento taoista é o movimento, a mudança. Isto está expresso em conceitos como Tao (Dào), yin-yang (yīn-yáng 陰陽), Taichi (Tàijí 太極), mutação ( 易), etc. Resumindo tudo isso num princípio simples: o caminho natural tende ao equilíbrio dinâmico; quando algo chega ao extremo se transforma no seu contrário.

Nebulosa planetária MyCn18, imagem do telescópio Hubble, NASA & ESA. O formato dessa nebulosa lembra muito a forma antiga do pictograma chinês “mistério” (xuán 玄).

Todos esses conceitos estão em consonância com uma característica fundamental de toda a vida, que podemos perceber ao observar a natureza, a sociedade ou nossa própria existência pessoal: tudo que está vivo está em perpétuo movimento. Na verdade, todo o universo, mesmo o que consideramos como matéria inanimada também está em movimento: nossos corpos e consciências, as sociedades e culturas, as plantas e animais, a paisagem geográfica, os corpos celestes e mesmo a menor das partículas. Em resumo, tudo é movimento, ritmo, mudança, transformação. Nesse ponto, o conhecimento tradicional chinês está em total concordância com o conhecimento científico moderno, seja da biologia, da física, da geografia, da astronomia, ou da história e das ciências sociais.

Pintura em seda, acervo do National Palace Museum, Taipei. foto do autor, setembro 2018.

Se isso é óbvio no nível material, também faz sentido ao observarmos com cuidado nossa experiência existencial: estar vivo é vivenciar constantemente novas percepções, impressões, emoções, pensamentos, incessantemente. Estamos vivos enquanto nossa capacidade de autorregulação continua a fazer as mudanças adaptativas necessárias, sejam metabólicas, fisiológicas, motoras, mas também emocionais e cognitivas, relacionais, um ajuste existencial contínuo, em todos os níveis, diante das situações que mudam a cada momento. Estar vivo é mover-se, mas também sensibilizar-se, aprender, descobrir.

mestre Liu Pailin (1907-2000).

O que a prática do Tao nos ensina é a nos manter em movimento de modo inteligente, em harmonia com o que cada momento pede, sem fazer força desnecessária, sem agitar o coração. Assim, saboreamos mais cada experiência, envelhecemos com sabedoria e saúde, passamos por situações difíceis com alguma serenidade, não nos desgastamos à toa. Não é casual que uma expressão de realização do Tao seja o riso, leve e espontâneo como o de uma criança pequena. Algo que só podemos vivenciar num estado de relaxamento. E essa leveza nos sensibiliza, quando estamos na presença de um mestre realizado. Foi assim que muitas pessoas começaram a praticar, após se encontrarem frente a frente com o mestre Liu Pai Lin, como ouvi repetidas vezes no final do anos 90, quando fazia meu trabalho de campo antropológico em sua escola. Também foi essa leveza que me fez buscar o caminho. Obrigado, mestre!

Conviver com (ou sobreviver a) períodos de limitação

Embora a vida seja movimento, esse movimento não é uniforme. Há períodos de expansão e fluidez, outros de retração e impedimentos, não importa o quanto tenhamos sabedoria e boa sorte. No entanto, o nível da dificuldade e do sofrimento dos tempos de limitação e infortúnio depende não só de circunstâncias alheias à nossa vontade – sejam elas naturais ou históricas -, mas também de nossos recursos subjetivos, existenciais, para lidar com elas. Para além da invenção individual, a arte taoista da existência pode trazer algum alento nessas situações.

Cachoeira Qiedong, arredores de Taipei, foto do autor, 2018.

No poema 78 do Daodejing (道德經), Laozi diz: “Sob o Céu/ Nada é mais suave e brando que a água/No entanto, para atacar o que é rígido e duro/ Nada pode se adiantar a ela/Nada pode substituí-la”. E a estrofe seguinte: “Assim/ A suavidade vence a força/ O brando vence o duro”. Essa metáfora do mundo natural, da água que escava a rocha sólida ou a contorna para seguir seu próprio curso, é um belo exemplo de sabedoria taoista para lidar com situações desafiantes: fluidez e adaptabilidade, em vez de rigidez e obstinação. Permanecer internamente fiel a si, mas sensível à situação, fazendo apenas o que é possível e necessário, até que o problema seja superado, às vezes de forma inesperada, pelo próprio curso da vida.

O sol refletido num córrego oculto na mata galeria, serra dos Pireneus, foto do autor, 2016.

Uma outra imagem inspiradora da água como metáfora do viver em situações adversas é o hexagrama Restrição ䷻, do Yijing (易經): abaixo o lago ☱, acima a água ☵, que se refere a um período de limitação inevitável. A água corrente se detém diante de um obstáculo, no caso uma depressão. E só pode voltar a correr depois de preencher totalmente esse espaço, até transbordar. Pacientemente, acumula forças até o momento propício para a superação. Tantas vezes não é possível avançar da maneira que pretendíamos e na velocidade que gostaríamos, mas é possível adaptarmo-nos às circunstâncias e seguir caminho. O desafio é manter as águas transparentes, límpidas, sem estagnar por frustração e impaciência. A marca de uma subjetividade saudável é a capacidade de seguir em frente, gerando novos sentidos, encontrando alternativas.

Quando o dilema é pessoal, a solução pode ser pessoal; mas quando o dilema é coletivo, em tempos como o nosso, de caos e crise social, a solução só pode estar no movimento solidário, para além de alternativas estritamente biográficas.

Cultivemos a quietude, antes que a vida nos obrigue a parar

Quando a filosofia taoista é apenas um assunto intelectual, interessa apenas a especialistas eruditos. Mas para quem pratica o Caminho, os princípios do Tao nos auxiliam a contemplar com mais sabedoria as experiências cotidianas, mesmo as mais banais. O seu valor está no domínio prático, como parte da nossa bússola existencial, não como um conhecimento exótico.

As sociedades contemporâneas se caracterizam por um verdadeiro excesso de movimento, estímulo sensorial e exigências de desempenho (na vida profissional, pessoal e até nos momentos de lazer). Habitantes das grandes cidades, aprendemos a temer o silêncio, a sentir angústia e tédio diante da quietude. Ficar paradx e em silêncio parece quase uma terrível punição.

No entanto, onde há movimento, precisa também haver quietude. É uma questão de equilíbrio. Mestre Pailin afirmou: “Tao é Taiji, e Taiji é yin e yang em harmonia”. Movendo sem descanso, nos desgastamos e acabamos encontrando infortúnios, como doenças e acidentes, que são apenas o resultado de nossa própria agitação e exaustão. Se não nos movemos o suficiente, estagnamos e enrijecemos. No entanto, nas sociedades contemporâneas, é mais frequente exagerar no movimento que na quietude: mesmo as pessoas mais sedentárias são levadas por um excesso de agitação. A solução está no meio termo: para viver bem, com saúde e sanidade, é preciso uma boa combinação de movimento e quietude. Uma lição simples, mas difícil de aprender.

A história do mestre Louva-a-deus em o Segredo dos Cinco Furiosos, captura de imagem ilustrativa 1, do autor.

Para alguns e algumas de nós, o universo parece se mover lento demais para nosso ritmo, como o mestre Louva-a-deus, personagem do universo Kungfu Panda em “O segredo dos Cinco Furiosos” (2008). Pessoalmente, conheço bem essa sensação. Foram anos de meditação para reduzi-la a um nível moderado.

A história do mestre Louva-a-deus em o Segredo dos Cinco Furiosos, captura de imagem ilustrativa 2, do autor.

Aceleradxs e desatentxs, ultraconfiantes, seguimos apressadamente em direção a desastres evitáveis. E nos surpreendemos quando acontecem. Não escutamos as advertências da vida e deixamos de tomar as precauções necessárias, simples.

A história do mestre Louva-a-deus em o Segredo dos Cinco Furiosos, captura de imagem ilustrativa 3, do autor.

Quando a vida nos obriga a parar, (no meu caso foi um acidente com fratura), tentamos resistir. Persistimos por um tempo nos maus hábitos que causaram o infortúnio. Mas finalmente nos aquietamos, a contragosto. Com sorte, brota alguma aceitação das circunstâncias. Quem sabe até desaceleramos?

A história do mestre Louva-a-deus em o Segredo dos Cinco Furiosos, captura de imagem ilustrativa 4, do autor.

Essas situações de restrição de movimentos, literal ou figurada, por doença ou acidente, podem ser uma ótima oportunidade para aprender o valor da quietude, da lentidão e da paciência. Uma bênção do universo disfarçada de desgraça. E para quem já pratica, uma oportunidade para aprofundar o treinamento e avaliar a sua qualidade, pois é na adversidade que vemos o quanto valeu a nossa prática. É fácil ficar sereno quando tudo segue a contento.

Por que utilizar um desenho animado, uma comédia de kung fu, para contar essa história, em vez dos clássicos taoistas? Porque a postagem de hoje se destina a leitores e leitoras urbanxs, apressadxs, talvez sem tempo ou paciência para ouvir os antigos sábios chineses.

Benefícios do Taichi e da medicina chinesa: uma explicação para o público em geral

Na postagem de hoje, o objetivo é tornar acessível ao público leigo o valor de dois conhecimentos tradicionais chineses: o Taichi e a acupuntura. A tarefa exige um caminho antropológico: um tentativa de tradução cultural. E a pergunta que pretendo responder é a seguinte: como explicar o sentido e a finalidade dessas duas práticas para um público formado numa visão biomédica de saúde e numa visão “fitness” de exercício? A resposta se destina a esse público, ou a praticantes e especialistas das práticas chinesas que estão em busca de formas simples de tornar a sua atividade compreensível para essas pessoas.

mestre Liu Pailin (1907-2000), pioneiro da divulgação do Taichi e da medicina chinesa no Brasil

O benefícios do Taichi e da medicina tradicional chinesa são mundialmente conhecidos e inclusive comprovados por pesquisas na área de saúde, como pode ser constatado consultando as plataformas de artigos científicos e também alguns livros destinados a um público mais amplo. Ao longo de várias postagens anteriores, tentei tornar essas informações acessíveis, como nas séries Medicina Tradicional Chinesa e Benefícios da Prática em Detalhes. No entanto, os conhecimentos tradicionais chineses se baseiam em princípios muito diferentes daqueles que fundamentam tanto a medicina convencional ocidental quanto as formas mais comuns de atividade física ocidental, ambas baseadas na mesma concepção (cartesiana) de corpo, entendido como “máquina maravilhosa”.

Em primeiro lugar, a medicina tradicional e os exercícios chineses para saúde e longa vida não se baseiam em uma separação entre corpo e mente: o aspecto material e “energético” de nosso corpo e a nossa consciência formam uma unidade dinâmica e complexa. Muito antes da ciência ocidental ter desenvolvido uma medicina psicossomática, os antigos chineses já haviam correlacionado os processos emocionais e o equilíbrio fisiológico, tanto em suas concepções de saúde, quanto de doença. Assim, tanto um desequilíbrio funcional pode implicar desequilíbrio emocional, quanto emoções excessivamente intensas e prolongadas podem ocasionar disfunções no nível fisiológico. Além disso, além dos componentes materiais do corpo, estruturas anatômicas, tecidos, órgãos e vísceras, os antigos chineses entenderam que o corpo é também composto por aspectos mais sutis, não perceptíveis diretamente, mas identificáveis qualitativamente, pelas condições de um determinado corpo.

Dentre estes aspectos sutis, talvez o conceito mais central seja o de (氣 ou 炁), normalmente traduzido como “energia”, “força vital” ou “vitalidade”. A discussão entre especialistas em filosofia chinesa e medicina tradicional tem questionado essas traduções, por sua imprecisão, ou melhor, porque as três noções mencionadas acima são alheias ao pensamento chinês e derivam respectivamente da física newtoniana e da filosofia vitalista, ambas de origem europeia.

Uma maneira relativamente simples de explicar a noção de é relacioná-la à capacidade de movimento e transformação, no corpo humano e na natureza em geral. Assim, todos os processos da vida, humana, animal e vegetal, animada e inanimada, podem ser descritos em termos de qualidades e quantidades distintas de qì.

Voltando ao nosso tema, toda a medicina chinesa, mas também o taichi, podem ser descritos como uma ciência tradicional do , ou se preferirem, um “trabalho sobre o ” (qìgōng 氣功 ou 炁功).

Mais precisamente, o que faz a acupuntura ao tratar uma doença é primeiro entender a natureza de uma doença específica como um tipo processual de desequilíbrio do , seja pela invasão do corpo por um fator patogênico externo (calor, frio, umidade, secura), seja por um desequilíbrio dos tipos de associados aos órgãos e vísceras (segundo a teoria dos cinco movimentos, metal, água, madeira, fogo e terra), seja por fatores alimentares, de estilo de vida ou emocionais. E, em seguida, utilizar as agulhas ou outros métodos) para regular o , removendo excessos, bloqueios que prejudicam seu livre fluxo, e/ou suplementando deficiências. Portanto, o objetivo da medicina chinesa é apoiar os processos de autorregulação presentes no próprio organismo.

Já o Taichi, e outros exercícios tradicionais chineses, podem ser pensados como qìgōng (氣功), formas cultivar o qì: circular, equilibrar, captar, acumular, etc. A lógica não é a do esforço, performance e exercício estenuante, ao contrário dos exercícios físicos convencionais. Ao contrário, são práticas lentas e suaves que promovem o desenvolvimento gradual e a preservação das capacidades corporais, trabalhando de forma suave e inteligente a força, a flexibilidade, o equilíbrio, a respiração natural e sobretudo a consciência corporal e a serenidade.

Clássicos: 7. a atualidade dos clássicos

Nessa nova postagem da série, um tema mais amplo. Em que se baseia o valor dos textos clássicos, e especificamente, dos clássicos chineses, no mundo contemporâneo? Começo a resposta com uma reflexão mais geral: um clássico, no sentido mais estrito do termo, é um texto que sobreviveu até nossos dias porque atravessou gerações e sobreviveu a várias transformações históricas. Isso se deve ao fato que, ao longo de tanto tempo, continuou a nos inspirar com ideias e conhecimentos relevantes. Pensadores como Hans Gadamer e Mikhail Bakhtin destacaram que o valor de um clássico está, justamente, em sua riqueza de significados, em sua abertura quase infinita para novas leituras, o que permite sua atualização. Em ambos, a leitura demanda uma atitude dialógica, de escuta do que o texto tem a nos dizer.

Paisagem com caligrafia, acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor em setembro de 2018.

No caso chinês, há uma especificidade interessante: nem todo texto antigo tem o mesmo status de clássico. Para um determinado escrito ter em seu título o termo “clássico” (經), significa que conquistou um apreço especial. Normalmente os livros que possuem esse termo no seu título, são obras fundamentais de um determinado campo. Como exemplo, recordo aqui alguns textos já citados aqui, como o Daodejing (道德經), o Huangdineijing (黃帝內經) ou o próprio Yijing (易經). Esse último, o “Clássico das Mutações”, tem sido objeto de um curso de introdução desde o ano passado, que deve ocorrer em Brasília em meados de maio.

No que diz respeito aos textos clássicos chineses, mais especificamente os clássicos taoistas, ou ao menos aquelas obras dotadas de interesse para a compreensão da tradição taoista, ressalto que estes textos não são apenas um tesouro da civilização chinesa, mas, além disso, são parte do patrimônio cultural da humanidade. A chamada filosofia yin-yang, condensa em poucas representações simbólicas – como por exemplo o símbolo do Taiji ou as linhas, trigramas e hexagramas do Yijing – toda uma percepção do mundo natural, do lugar do ser humano nele e uma apreensão quase instantânea do caráter dinâmico de fenômenos de toda ordem. Tudo pode ser apreendido intuitivamente como uma combinação temporária de proporções variáveis e de aspectos yin e yang, formando um complexo jogo de forças complementares . E é esse pensamento que está na base de várias artes e ciências tradicionais chinesas.

Voltando à pergunta inicial que motivou essa postagem, o valor destes textos clássicos no momento atual está justamente na possibilidade de nos oferecer outras possibilidades de acesso à complexidade do mundo contemporâneo. E justamente por ser uma compreensão de mundo de caráter não essencialista, que em vez de fixar as coisas em essências metafísicas, permite-nos percebê-las em suas fluidez característica. Manifestando-se no tempo e no espaço, tudo que sobe, desce. Tudo que nasce, morre. Tudo que expande, contrai. O que estava em repouso, move, e o que move, retorna a quietude. Isso tudo ocorre simultânea e incessantemente. Os clássicos taoistas nos ensinam a mover e perceber a vida como movimento. E, em momentos de crise e turbulência no mundo humano, quem sabe possam nos oferecer alguma sabedoria que nos permita gerar alternativas benéficas ao caos atual.

Clássicos: 6. ainda sobre o I Ching como oráculo

A postagem de hoje dá seguimento ao tema do uso oracular do Clássico das Mutações (易經), discutido previamente. O recurso à divinação é muito comum em sociedades tradicionais de todas partes do mundo, mas tal prática também é popular nos ambientes urbanos das sociedades globalizadas contemporâneas.

Pintura da exposição temporária sobre os imortais, acervo do National Palace Museum, Taipei. Foto do autor em setembro de 2018.

Dessa vez, convido a uma reflexão sobre o uso correto do oráculo. No contexto desse blog, a expressão “uso correto” equivale a “em consonância com o Tao”. Com isso, quero dizer que, idealmente, a relação que estabelecemos com o Clássico das Mutações deveria apoiar o cultivo de um modo de vida em sintonia com os ritmos de yin e yang na natureza, com uma combinação equilibrada de movimento e quietude na vida diária, e com uma atitude existencial pautada na amorosidade, na simplicidade e na ausência do “desejo de ser o primeiro”. (Essas são as três virtudes taoistas descritas por Laozi no Daodejing – 道德經).

Sugiro então alguns critérios para o uso oracular do Clássico. Em primeiro lugar, temos o critério das circunstâncias para uma consulta. Afinal, quando faz sentido consultar um oráculo? A resposta é simples: apenas quando se trata de uma questão crucial, uma decisão a tomar que implica sérias consequências e que é suficientemente complexa para gerar dúvidas sobre como prosseguir. Portanto, uma primeira advertência no uso salutar do oráculo é não fazer perguntas desnecessárias, quer dizer, relativas a assuntos banais ou situações nas quais já sabemos o que fazer.

Na melhor das hipóteses, um oráculo – ou qualquer outra forma de aconselhamento – deveria ser uma ferramenta auxiliar para o desenvolvimento da nossa própria sabedoria. Utilizo aqui o termo sabedoria como um saber viver, não como sinônimo de intelecto nem de astúcia. Saber viver no sentido de sensibilidade às qualidades das situações vividas. Sabedoria é uma forma de apreciação intuitiva dos processos da vida e suas nuances. O Clássico das Mutações pode ser uma ferramenta para o cultivo da sabedoria quando entendemos a sua linguagem, baseada na filosofia yin-yang, e o utilizamos com moderação, apenas quando estritamente necessário. Quando pessoas muito confusas consultam oráculos com frequência, é comum que se tornem fascinadas por eles, dependentes de suas respostas e que escutem apenas o que desejam e não o que necessitariam ouvir.

Sendo assim, uma segunda recomendação no uso do oráculo, seja como especialista, seja como consulente, é: aprenda a serenar o coração. Um coração agitado só pode fazer perguntas insensatas e obter respostas truncadas. Consequentemente, alguma estabilidade meditativa, alguma capacidade de esvaziar-se de expectativas e aceitar a vida como ela se apresenta é um requisito para o bom uso dessa ferramenta. É nesse estado que faz a pergunta, identifica-se os hexagramas e linhas que surgem como resposta, e contempla-se, com coragem e sinceridade, o seu sentido.

Quanto às respostas dadas pelo oráculo, contêm três dimensões: uma descrição da situação, um possível prognóstico de seu desenvolvimento caso as coisas sigam na direção atual, um conselho sobre a atitude de uma pessoa sábia diante da situação-problema.