Medicina Tradicional Chinesa: 1. A busca do Equilíbrio

  • Esse mês, inicia-se uma nova série de postagens, dedicada à prática da medicina tradicional chinesa. Esses são alguns de seus pressupostos fundamentais:
  • A relação de continuidade permanente entre o corpo humano e os fenômenos naturais: logo, o corpo não é um objeto discreto separado da natureza, mas é influenciado por todos os seus ciclos e processos;
  • A concepção de saúde como equilíbrio de yīn e yáng e equilíbrio entre os cinco movimentos (madeira, fogo, terra, metal e água), a mesma teoria que explica todos os fenômenos naturais se aplica também à saúde humana;
  • O tratamento, como restabelecimento do equilíbrio rompido, baseia-se em métodos que estimulam a própria capacidade autorregulatória do corpo: remove bloqueios que perturbam a livre circulação de e de sangue, supre o que está deficiente e dispersa o que está em excesso.
  • Baseados nesses pressupostos, os métodos empregados se apoiam numa profunda confiança na natureza e no potencial para saúde, desde que se adote um modo de vida favorável ao cultivo da saúde, em vez de meramente combater a doença quando já se instalou.
  • Modo de vida taoista: 10. A capacidade de “escutar”

    Nessa nova postagem da série modo de vida taoista, o tema é o desenvolvimento da sensibilidade à situação presente e às condições do ambiente circundante. Embora seja uma tradição contemplativa, a prática taoista não deveria nos deixar mais ensimesmadxs. Ao invés disso, se desenvolvemos suavidade e fluidez, semelhantes à da água, tornamo-nos cada vez mais sensíveis e adaptáveis. Os ritmos e fluxos do da natureza ficam evidentes e ressoam no corpo. As situações da vida são respondidas de forma gradualmente menos premeditada. Sendo capazes de uma apreensão intuitiva do momento presente, é possível agir em conformidade com o que a situação pede. E isso gera menos desgaste e demanda menos esforço.

    Modo de vida taoista: 9. Não desejar ser o primeiro

    Nesta nova postagem sobre modo de vida taoista, o assunto é a terceira virtude descrita por Laozi. Normalmente traduzida como modestia ou humildade, uma tradução mais literal seria não querer ser o primeiro. O ponto central é não nutrir rivalidade, nem competir com outras pessoas. A ideia de concorrência, de vitória, o desejo de superar rivais são alheios ao Caminho. Por isso, muitos sábios taoistas famosos recusaram honrarias, títulos e cargos na administração imperial em sua época. O verdadeiro respeito e a apreciação genuína se comunicam por gestos, de coração a coração. Dispensam excessos de protocolo e polidez artificial, e não estimulam a vaidade.

    Modo de Vida Taoista: 8. Amorosidade/compaixão

    Outro aspecto do modo de vida taoista tem sido traduzido nas línguas ocidentais como compaixão ou amorosidade. O sentido do termo precisa ser contemplado com cuidado. Não se trata uma identidade pessoal bondosa, que ama ou sente compaixão, que deseja ser uma boa pessoa. Mas sim de uma disposição amorosa mais impessoal e abrangente, que respeita as outras vidas e atenta para o máximo benefício coletivo. Por isso se diz:

    O Grande Tao não tem sentimentos, ama todos os seres.

    O Grande Tao não tem coração, seu coração é vasto como o mundo.

    Modo de vida taoista: 6. Lidando com pessoas e situações

    Neste sexto post da série modo de vida taoista, o tema são os desafios do cotidiano. A medida do sucesso na prática é o saber viver, aqui definido como uma justa combinação de fluidez e sensibilidade. De nada adianta a prática formal de meditação sentada, qìgōng ou tàijíquán, se, fora da situação de treinamento somos incapazes de expressar as qualidades que vivenciamos nos treinos. Aprender a mover o corpo de forma suave e circular, ou manter o corpo imóvel e estável por um longo período, ou ainda a relaxar e manter o coração sereno, são capacidades que é aconselhável transpor também para as situações diárias, principalmente as de conflito ou dificuldade. Por isso se diz:

    O verdadeiro Tao requer de nós que lidemos com o mundo real, mas ao fazê-lo, o coração não se agita.

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    Foto do autor: Detalhe do portal de entrada do templo do imortal Dòngbīn, em Zhǐnán Gōng, Taipei.

    Metaforicamente, é preciso desenvolver nas relações uma habilidade de escuta, recepção e direcionamento da intenção das outras pessoas, como um tuīshǒu, o treinamento de empurrar as mãos do tàijíquán. Sem entrar em confronto direto, sem impor-se pela força, delicadamente redirecionando e dissolvendo as tensões. É preciso adaptabilidade e escuta nas situações comuns: imprevistos, mal-entendidos, tarefas, mesmo tragédias. De fato, as situações desafiantes ficam mais fáceis de lidar, se tratadas com leveza e tranquilidade, pois uma parte significativa das dificuldades vem de nossa própria confusão e tensão desnecessária. Isso não significa nem indiferença, nem negligência diante da ação necessária, mas em vez disso, uma prontidão serena que permite acolher a situação como é, agir de forma eficaz diante dela.

    Modo de vida taoista: 5. Meditação

    Nesse post sobre modo de vida taoista, o assunto é meditação. Embora haja diversas maneiras de praticar o Tao, em conformidade com as características de cada praticante, várias linhagens oferecem métodos contemplativos. A meditação é uma maneira de atualizar em nós os princípios taoistas, como  harmonia de yīn e yáng, e a não-ação (wúwéi ), entre outros. O corpo humano, como pequeno universo, ressoa com a natureza. A meditação é ao mesmo tempo uma prática de cultivo da vida e de cultivo do espírito. Sentando em silêncio regularmente, treinamos a serenidade e equilibramos nosso qì. É dito que todas as doenças começam no coração. E a meditação é o principal método para cultivar um coração límpido, tranquilo e amoroso. Assim, a meditação é uma prática de prevenção e promoção de saúde, pois mantém a união de yīn e yáng no ser humano, reduz as tensões e desequilíbrios,  remove os bloqueios, antes que se manifestem como doenças.  E ao mesmo tempo é uma prática de serenidade. A manifestação do sucesso na prática é a capacidade manter-nos assim também nas situações cotidianas, inclusive, em circunstâncias desfavoráveis, fazendo o que é necessário, mas sem se agitar.

    Mestre Liu Pailin recomendava a prática diária da meditação Sentar na Calma, ressaltando seus benefícios para a saúde e a promoção da longevidade, assim como sua importância para o cultivo do Tao. Como detentor da transmissão de várias linhagens taoistas, nas décadas em que residiu no Brasil, entre o final dos anos 70 até o ano 2000, ensinou vários métodos, como a circulação dos Seis Centros, dos Oito Vasos Maravilhosos, da Via Láctea, entre outros, mas sempre enfatizou o poder e os benefícios do método mais básico e fácil de meditação taoista: o Abraço do Taiji, cultivar a união de Céu e Terra, Fogo e Água, na região do umbigo. Praticando a mais completa serenidade nesse abraço, até esquecer-se de si mesmo.

     

    Modo de vida taoista: 2. como praticar?

    Nessa segunda postagem da série modo de vida taoista, o assunto é como praticar. A ideia de harmonizar-se com os ciclos da natureza não é uma mera metáfora para a tradição taoista, mas uma questão prática, baseada em um conhecimento técnico refinado. Um aspecto da questão é quando e que tipo de treinamentos praticar. A esse respeito, há várias orientações. Hoje compartilharei uma recomendação simples para quem deseja ter uma prática diária. O ideal seria ter dois momentos de prática no início e no final do dia, ajustáveis à rotina de cada pessoa, em função de seu tempo, necessidades e práticas preferidas.

    Por exemplo exemplo, ao começar o dia nos preparamos para iniciar nossas atividades: meditação, respiração de limpeza, qigong e arte marcial interna. Ao terminar o dia, estamos nos recolhendo; seguimos a ordem contrária, da arte marcial à meditação. Esse modo de organizar o treino diário segue a progressão de yīn para yáng e vice-versa, da serenidade ao movimento e do movimento de volta à serenidade.

    Alguns conselhos suplementares do mestre Liu Pailin: 1) pratique técnicas respiratórias de captação do qì da natureza nos horários yáng (23:00-11:00). O melhor horário é de manhã bem cedo, quando ainda há uma faixa de luz alaranjada no horizonte. 2) no período mais quente do dia, o mais indicado é meditar e repousar, evitando exercícios extenuantes. 3) A não ser  que o objetivo seja captar o qì da lua ou das estrelas, evite praticar à noite diretamente sob árvores, pois nesse horário o qì se move da Terra para o Céu.

    Clássicos: 4. o I Ching como oráculo

    Nesta quarta postagem da série Clássicos, o assunto é o uso oracular do  Clássico das Mutações (Yìjīng 易經). Dentre os vários métodos para consulta (utilizando varetas, moedas, pedras preciosas ou cartas), o oráculo tradicional das três moedas é bastante popular por  combinar praticidade e profundidade, além de ter sido divulgado de forma acessível em várias das traduções do clássico para línguas ocidentais. Como opera o oráculo? Com uma pergunta clara e sucinta, que permita uma resposta mais elaborada que sim ou não, é possível obter do oráculo uma descrição da situação e orientações para lidar com um desafio em particular.  As três moedas são lançadas seis vezes, uma vez para cada linha que, calculada de baixo para cima, forma um hexagrama. Caso haja dentre elas linhas móveis, forma-se também o “hexagrama futuro”. E consulta-se os textos correspondentes.moedas chinesas.jpg

    No célebre prefácio de C.G. Jung à tradução do clássico para o alemão por Richard Wilhelm,  o psicólogo suíço utiliza o seu argumento sobre a sincronicidade para explicar o funcionamento do oráculo. Haveria uma coincidência significativa entre uma situação do mundo e o símbolo apresentado, expressão do insconsciente coletivo. Essa relação seria de natureza acausal, mas coerente. Obviamente, essa é uma explicação de tipo psicológico para um fenômeno atestado em inúmeras civilizações. E permite entender a lógica  de diversos oráculos, não somente do Yìjīng. O propósito adequado de um oráculo é dar inteligibilidade a situações desafiadoras. Não substitui nem o discernimento nem a responsabilidade pessoal de quem o consulta, mas oferece elementos para contemplar intuitivamente um dilema antes de tomar uma decisão e agir.

    Clássicos : 3. o I Ching como “mapa do universo”

    Nesta terceira postagem da série Clássicos, o assunto ainda é o Clássico das Mutações (Yìjīng 易經). Oito trigramas, resultantes da combinação de yīn e/ou yáng em grupos de três linhas  sobrepostas representam os fenômenos básicos da natureza: ☰ Céu e ☷Terra , ☴Vento e  ☳Trovão, ☲Fogo e ☵Água, ☱Lago e ☶Montanha.

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    Configuração pré-natal do Bāguà

    Na configuração pré-natal, ou do Céu Anterior, os trigramas estão dispostos em uma relação de oposição complementar, expressando o estado potencial,  anterior à manifestação. Por sua vez, agrupados aos pares, os trigramas formam 64 combinações possíveis, os hexagramas, combinando duas imagens aparentes, os trigramas superior e inferior, e contendo mais duas imagens escondidas, os trigramas nucleares.  Esses são os emblemas de 64 situações distintas, sempre momentos de um processo. A mudança de uma situação para outra é representada pela transformação de uma ou mais linhas, de yīn para yáng ou vice-versa. Assim,  um hexagrama poderia se transformar em qualquer um dos outros sessenta e três hexagramas, indicando a mutabilidade e imprevisilidade do fluxo dos acontecimentos. Já que contém imagens que podem representar qualquer fenômeno ou situação, o clássico permite compreender circunstâncias concretas e fornece orientações para resolução de problemas específicos. Uma pessoa sábia é aquela que sabe se posicionar favoravelmente diante das circunstâncias, mesmo as aparentemente mais desfavoráveis. Isso se chama “estar de acordo com o tempo”. E é esse posicionamento sábio que é a meta da consulta oracular, objeto da próxima postagem da série.

    Clássicos: 2. O I Ching como texto

    Nessa segunda postagem da série Clássicos, continuo falando sobre o Clássico das Mutações. Somaram-se aos 64 símbolos originais, os textos de três personagens importantes:

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    Os 64 hexagramas na disposição do rei Wen.

    O rei Wen e seu filho, o duque de Zhou, fundadores da dinastia Zhou (1046 a.C. a 771 a.C.), responsáveis, respectivamente  pelos versos sobre a decisão e pelo texto da linha. E o filósofo Confúcio, autor da grande imagem e da pequena imagem, além de escrever As Dez Asas, o conjunto de comentários acerca do clássico. Assim, atualmente, para compreender o clássico, estuda-se os textos diretamente associados a cada hexagrama, que descrevem um símbolo e as diferentes nuances da situação em função da presença de linhas móveis no hexagrama, fundamentais na consulta oracular, mas também os tratados de caráter mais geral. É apenas com a familiaridade com o simbolismo dos hexagramas, ganha com o tempo, com a contemplação do seu sentido, e com a prática oracular, que o Clássico das Mutações (Yìjīng 易經) vem gradualmente a se revelar. Torna-se uma ferramenta viva com a qual se pode dialogar em busca de sabedoria.