As práticas taoistas são a expressão de um modo de viver a vida. São métodos não só para atingir finalidades pragmáticas, como curar doenças, preservar a boa saúde, atingir a longevidade. Mas são também meios para compreender pela experiência conceitos filosóficos complexos: Tao, não ação, espontaneidade, Vazio. E, porque não, também para realizar o Tao, o estado natural. Mas como fazer para aprender práticas taoistas na era do imediatismo? Como tornar relevantes no mundo de hoje estes métodos milenares? Esta é mais uma postagem da série taoismo e mundo contemporâneo.
Parece que, para muitas pessoas, a vida cotidiana normal precisa ser vivida em velocidade crescente. O filósofo Byul Chung-Han descreveu a sociedade contemporânea como uma Sociedade do Cansaço. Nela, o sujeito da performance explora-se a si próprio voluntariamente, pois acredita que deve se mostrar constantemente produtivo, bem sucedido e feliz, mesmo às custas da sua saúde e sanidade.
Como instrutor de práticas taoistas, tenho encontrado uma situação curiosa. Pessoas têm me perguntado sobre cursos de formação para instrutor de Qigong. Em si, esta é uma boa notícia. Mas o curioso é querer ser instrutor sem antes ser aprendiz. Algumas pessoas nunca praticaram e já pensam em como seria ensinar. Esta vontade de “queimar etapas” é uma característica do nosso tempo. Então como ensinar práticas taoistas na era do imediatismo?
A formação tradicional
Como é a formação tradicional? Resumidamente: iniciante, estudante, praticante experiente, e só então instrutor, professor, e talvez mestre.
Primeiro, somos iniciantes. Quer dizer, não sabemos nada, ou quase nada. Então, depois de um tempo como aprendizes, começamos a nos familiarizar com os princípios das artes taoistas. O treino traz consigo uma mudança de hábitos, primeiro motores e posturais, depois das atitudes habituais. Para isso, basta ter 1 professor/a qualificado/a e um pouco de dedicação e interesse em aprender.
Depois, com mais algumas semanas ou meses de treino, começamos a sentir os benefícios de praticar. Primeiro, nossa vitalidade aumenta. Gradualmente, alguns problemas crônicos de saúde começam a melhorar. Algumas dores que tínhamos no corpo não nos visitam mais. Percebemos também que o estresse diminuiu. Se continuarmos a praticar, esses benefícios se aprofundam. Além disso, começamos a memorizar as sequências de exercícios. E aprimorar nossa consciência corporal.
E, quando memorizamos as sequências, podemos também treinar fora das aulas. Veja bem, quanto mais repetir o treino, maior o benefício. Isso é, se tiver compreendido como praticar corretamente.
Como me disse um dos meus professores: “o treino começa a se revelar para você depois de aprender a sequência”. A partir deste momento a prática se baseia mais na experiência de mover e sentir o corpo. É neste contexto que aprendemos a sentir o Qi. Esta percepção se manifesta primeiro como sensações no nosso próprio corpo.
Mas é um processo lento. Leva alguns anos até integrar todos os conhecimentos e experiências no nível necessário para conseguir ensinar adequadamente. E, além de praticar muitos anos, é importante a orientação de uma pessoa qualificada, mais experiente.
Pois no passado, treinava-se todos os dias com um mestre, ano após ano. Um belo dia, chegava um momento que o mestre promovia o estudante a instrutor, para auxiliar na transmissão dos conhecimentos. E com mais maturidade, poderia então partir para abrir sua própria escola. Mas mesmo entre praticantes avançados/as, nem todo mundo se aprofundaria no caminho a ponto de se tornar mestre.
Que alternativas temos no mundo contemporâneo? A formação na era do imediatismo
Nas nossas vidas urbanas agitadas, cheias de ocupações, atividades e distrações, como começar este caminho? Para começar, encontre tempo em sua agenda conturbada. Pelo menos uma aula por semana é um bom começo. E alguns minutos por dia é uma necessidade, se você deseja progredir.
Tenho uma sugestão, se você sente que não tem tempo. Quem sabe você pode substituir o tempo perdido com distrações excessivas, por alguns minutos de foco e relaxamento. Como resultado, você vai dispor de mais energia para empregar no que realmente importa.
Mas tome cuidado para não cair na armadilha da produtividade infinita. Nem tudo é trabalho, lucro, performance. O momento para treinar uma prática taoista é um momento para o cultivo de si. Mas, paradoxalmente, não é para produzir um eu maior e melhor, justo o contrário. Praticamos Taijiquan, Qigong, meditação para recuperar a capacidade de relaxar. Esta é uma capacidade natural, mas muitas vezes perdida devido a uma vida muito estressante. Quanto a isso, um fator particularmente gerador de estress é a necessidade de cultivar, defender e fortalecer nossa identidade pessoal. A necessidade de ser alguém, alguém especial, é uma das grandes fontes de sofrimento. E com o aumento da individualização no mundo atual, esse sofrimento se tornou ainda maior.
Também praticamos para recuperar nossas energias. É preciso manter o equilíbrio entre atividade e repouso, ou em termos taoistas, movimento e quietude, Yang e Yin. A prática correta deve revigorar, em vez de cansar, ao contrário da ideia convencional de “fazer exercício”. E acima de tudo, quando o corpo está em equilíbrio, é mais fácil ter uma mente calma.
Como conciliar a formação tradicional nas práticas taoistas na era do imediatismo?
Para a maioria das pessoas, talvez não seja mais possível praticar com um mestre dia após dia, por anos a fio. Ainda assim, tendo encontrado uma fonte confiável, é possível aprender com ela. Basta fazer os devidos ajustes na nossa rotina e na nossa ambição por resultados mirabolantes e rápidos.
Encontre espaços em sua rotina, para fazer das práticas taoistas de sua preferência, um hábito diário, nem que seja por alguns minutos. Faça aulas regulares com uma pessoa qualificada, que aprendeu de um mestre autêntico e tem paciência e generosidade para responder de forma clara às suas dúvidas e dificuldades. Treine individualmente para se apropriar dos treinos, memorize as técnicas, repita e aperfeiçoe os movimentos, descubra os seus efeitos com sua experiência. Pois o benefício sentido é o melhor incentivo para continuar a praticar.
É fundamental ter um/a professor/a de referência, que pode acompanhar o seu desenvolvimento, fazer correções e tirar dúvidas. Mas afora isso, é possível aprender com outras pessoas, inclusive utilizar as novas tecnologias de aula ou curso online.
Depois de ter amadurecido sua própria prática e colhido seus frutos, aí então é o melhor momento para compartilhar este tesouro com outras pessoas. Converse com sua professor ou professora, para avaliar se já pode ensinar o que aprendeu.
Se deseja seguir este caminho, vale a pena fazer uma formação para instrutor/a, ou passar pela avaliação certificada por sua escola.
A minha própria experiência aprendendo as práticas taoistas
Como aprendi as práticas taoistas na era do imediatismo? O começo da minha caminhada com as práticas taoistas também foi marcado pela era do imediatismo, só que por outro motivo. Em 1998, estava em trabalho de campo antropológico na escola taoista de mestre Liu Pai Lin em São Paulo. Minha metodologia era participativa e incluía aprender o Taichi e outras práticas como parte do processo de minha etnografia. Eu era um sujeito jovem, ambicioso, experiente nas artes marciais e em dedicação exclusiva. Resultado: aprendi a sequência do Tai Chi de 37 movimentos em apenas 30 dias. E fiquei orgulhoso do meu feito. Ainda não tinha entendido que o verdadeiro aprendizado é para vida toda!
O que começou como pesquisa antropológica virou, contudo, um caminho de vida. Assim, nunca mais parei de treinar. Aprendi novas técnicas e sequências, ano após ano. Em primeiro lugar, para resistir ao estresse e desgaste da vida de professor. E anos mais tarde, porque compreendi que, além dos benefícios óbvios para saúde, havia muito mais. Era uma aprendizado sobre o viver.
Para continuar a aprender e aprofundar o que já sabia, foi um longo percurso. Fiz aulas particulares (de taichi, espada, Baguazhang, meditação), frequentei seminários com os mestres sobre práticas e filosofia taoista e cursos de formação (Taichi Pai Lin, Espada Taichi, I Ching Taoista), fiz as provas de certificação para instrutor de Taijiquan e Baguazhang. Em 2015, fui a Taiwan receber uma iniciação para tornar-me oficialmente discípulo da linhagem Kunlun, uma das várias linhagens do mestre Liu Pailin. Ao todo, foram mais de 20 anos de aprendizado, estudo e prática para poder me considerar um instrutor da minha escola.