Modo de Vida Taoista: 11. Reduzir todo esforço desnecessário

A postagem de hoje retoma a série dedicada ao modo de vida taoista. Em tempos de exaustão coletiva, o princípio taoista da não ação, ao mesmo tempo pode soar absurdo e servir como um lembrete útil sobre outras possibilidades de existência e subjetividade.

lagoa de carpas, com um símbolo do Tao, nas montanhas de Yilan, Taiwan.

Uma instrução básica da transmissão do mestre Liu Pailin era: “não forçar”. Isso se aplica, em primeiro lugar, à prática regular dos treinamentos taoistas que, ao contrário da cultura fitness, não pressupõem que a dor é o requisito para o resultado. Mas também é um princípio válido para uma atitude existencial geral. Essa recomendação simples expressa a confiança no desenvolvimento gradual e contínuo, sem necessidade de rupturas abruptas e superação de limites por meio da luta.

De fato, na maioria de nossas atividades cotidianas, relações e projetos, aplicamos mais força que o necessário. No nível mais óbvio, observe quanta tensão muscular é aplicada em movimentos simples que podem ser feitos de forma mais econômica e eficaz se aprendemos a relaxar enquanto nos movemos e utilizar apenas a força necessária. Experimente prestar atenção em quanta força e tensão utiliza para escovar os dentes, girar uma maçaneta, preparar um alimento, lavar louça, subir uma escada, segurar o volante do carro, digitar ou qualquer outra tarefa cotidiana. Ao praticar taijiquan ou o abraço da árvore (zhanzhuang), aprendemos a relaxar os músculos ao mesmo tempo em que mantemos a postura, o alinhamento do corpo e nos movimentamos de forma harmônica. O que é aprendido pelo corpo nas sessões formais de treinamento, com o tempo pode ser transferido para as atividades diárias. Nosso treinamento se expressa em uma graciosidade corporal natural.

O excesso de esforço desnecessário fica óbvio no movimento corporal, mas pode ser descoberto também quando examinamos a nossa vida mental. Como é cansativo ficar pensando intensamente, sem parar, mesmo quando não há nenhum problema urgente que exija nossa atenção. E como é exaustivo ser arrastado por emoções tão intensas que levam a ações sem lucidez que nos geram arrependimento. Por isso, as práticas taoistas combinam movimento e serenidade, serenidade ao se mover, e movimento interno ao ficar imóvel. Como a inquietude do coração é a base para todo tipo de doença, aprender a serenar, a manter o coração tranquilo em todas as circunstâncias, não é apenas parte de uma prática meditativa ou de um caminho de vida, mas tem indiscutíveis efeitos para a saúde. Nas frenéticas realidades urbanas contemporâneas, pouca gente pode entender o valor do silêncio, da quietude, do repouso, mas principalmente do silêncio interno.

Por do sol na Serra dos Pirineus, foto do autor.

Mas não se trata de um silêncio artificial, que nega as experiências ou deseja congelar a consciência numa quietude forçada, que é como uma anestesia. Em nosso corpo e em toda a natureza, vida é movimento incessante. E nas consciências, vida é percepção incessante. O segredo é aprender ficar ao mesmo tempo atentx e relaxadx. Assim é possível perceber os espaços vazios entre os objetos, as pausas entre os movimentos, os silêncios entre os sons. Esse é um dos sentidos da experiência da vacuidade.

Justamente, como expliquei anteriormente, o wuwei não se refere a não fazer, mas sim ao fazer com o máximo de eficiência e o mínimo de esforço. Contudo, esse fazer eficaz depende da capacidade de se desfazer de um senso de autoria, de alguém que faz, e de permanecer “vazio”, no sentido de uma receptividade altamente adaptável. Quanto maior a sintonia com as circunstâncias, quanto mais fluidez e adaptabilidade, menos esforço é necessário para realizar uma tarefa e chegar a um resultado favorável. E, embora seja um princípio, é menos algo que se decide por em prática deliberadamente, do que a consequência ostensiva do resultado de um sistema de práticas que transforma o corpo e a subjetividade.

Modo de vida taoista: 10. A capacidade de “escutar”

Nessa nova postagem da série modo de vida taoista, o tema é o desenvolvimento da sensibilidade à situação presente e às condições do ambiente circundante. Embora seja uma tradição contemplativa, a prática taoista não deveria nos deixar mais ensimesmadxs. Ao invés disso, se desenvolvemos suavidade e fluidez, semelhantes à da água, tornamo-nos cada vez mais sensíveis e adaptáveis. Os ritmos e fluxos do da natureza ficam evidentes e ressoam no corpo. As situações da vida são respondidas de forma gradualmente menos premeditada. Sendo capazes de uma apreensão intuitiva do momento presente, é possível agir em conformidade com o que a situação pede. E isso gera menos desgaste e demanda menos esforço.

Compreender o Tao: 4. o sentido da não ação

Na postagem de  hoje da série Compreender o Tao, o tema é a noção de não ação (wúwéi 無為), sujeita a vários mal entendidos. Não significa não fazer nada, nem omitir-se de agir, muito menos algo que se pode praticar intencionalmente, como quem diz: “agora, praticarei a não ação”. É ação espontânea, não deliberada, é agir sem identificar-se com a ação, ou com seu resultado. Não vem acompanhada do sentimento de vitória ou arrependimento: “eu fiz isso”.  Por isso se diz: “o verdadeiro Tao requer de nós que lidemos com o mundo real, mas ao fazê-lo o coração não se agita”. Ação espontânea é fazer o que é necessário segundo a situação, levando em consideração o maior benefício possível para todos os seres envolvidos. Em poucas palavras, embora possamos viver momentos ocasionais assim, é algo que só pode ser feito com frequência por alguém que, ao menos em alguma medida, realizou o Tao, ou qualquer outro nome que seja dado ao estado natural. Uma das marcas da não ação é a experiência de ausência de esforço e deliberação. A solução adequada é encontrada sem alarde e luta, independente de cálculo e estratagema. É como o sol que brilha ou a chuva que cai, sem fazer distinções.

montanha Taiwan
Vista das montanhas a uma hora de viagem de Taipei, setembro de 2017, foto do autor.