Compreender o Tao é paradoxal. Por isso Laozi disse: “Minha palavra é bastante fácil de compreender/ bastante fácil de praticar/ mas, sob o céu, ninguém consegue compreendê-la/ ninguém consegue praticá-la” (Dàodéjīng, poema 70) . O que os antigos chineses chamaram de Caminho ou Caminho Natural é algo que está sempre presente a cada experiência, simplesmente como as coisas são. Mas está tão perto, é tão simples, que, por isso mesmo, está aquém ou além das palavras. Daí, no contexto taoista, desde a antiguidade aos dias atuais, pessoas sábias utilizaram termos como “indescritível”, “sem nome”, “profundo”, “grande”, “misterioso” ou “maravilha”, na tentativa de apontar a direção, de ensinar-nos a reconhecer do que se trata, por meio de nossa própria experiência.
Não é algo que o intelecto consegue apreender, não é algo que possa ser explicado, mensurado, provado. Mas é algo que pode ser percebido, treinando a sensibilidade. E quando isso acontece, e temos a sorte de contar coma orientação de 1 mestre ou mestra competente, temos uma experiência nítida e livre de dúvida. Lendo as biografias de mestres e imortais do passado, podemos encontrar tanto perfis mais contemplativos, pessoas que se recolheram em montanhas e florestas para cultivar o Tao, quanto pessoas que tiveram uma existência comum, com uma vida simples em família e ganhando seu sustento com uma profissão. Se não temos o desejo de viver reclusos/as nas montanhas, ou a condição para fazê-lo, podemos praticar na vida que vivemos, na cidade. Mais importante dos que as condições externas ideais para praticar – como as que foram buscadas por eremitas, monges e monjas ao longo da história da China – é a capacidade de encontrar o silêncio em nós mesmos/as, pelo menos alguns instantes todos os dias. Uma maneira estruturada para fazer disso um hábito é aprender um método confiável de meditação. Mas se diz que a base para praticar, antes mesmo de aprender qualquer técnica, é regular o coração (Tiáoxīn 調心): isso significa simplificar a vida, reduzindo desejos, necessidades e ambições desnecessárias.
E de posse dessa simplicidade básica, não só a meditação, mas qigong, artes marciais, pintura, caligrafia, música, medicina, enfim todas as artes tradicionais praticadas por taoistas, podem ser um porta de entrada para o Tao. Todas elas valorizaram o aprendizado prático, o refinamento da sensibilidade, a fluidez do gesto, a atenção combinada ao relaxamento, o ajuste à situação concreta do presente. Na quietude da meditação formal; nos movimentos lentos e circulares do qigong; nos movimentos ágeis e precisos das artes marciais (seja o combate com as mãos livres, ou com armas, como a espada); no pincel que traça paisagens ou palavras entremeadas de espaços vazios; nas notas musicais que ressoam ritmicamente entre silêncios; na acuidade dos métodos diagnósticos e no uso eficaz dos tratamentos (com massagem, agulhas, ventosas, moxabustão). etc. Em todas essas situações está presente o potencial para entrar em contato com as qualidades do estado natural, a união de quietude e movimento contínuo. Mas além de todas as artes tradicionais, com sua beleza, cada atividade trivial do cotidiano também é uma preciosa oportunidade para perceber o estado natural, desde que estejamos vivos/as, relaxados/as e atentos/as.
Excelente artigo. Obrigada!